QUANTOS
EVANGELHOS FORAM ESCRITOS?
AS
DIFERENTES VISÕES SOBRE JESUS
José
Aristides da Silva Gamito
Introdução
As
instituições cristãs reconhecem como autorizados quatro evangelhos, a saber,
Mateus, Marcos, Lucas e João. Eles são chamados de evangelhos canônicos. São textos
que foram aceitos como inspirados pelo Espírito Santo pela igreja primitiva e
que contêm o ensinamento verdadeiro de Jesus. Porém, foram escritos dezenas de
evangelhos. Alguns mais antigos e mais próximos aos apóstolos e outros mais
tardios e distantes de quem foi discípulo de Jesus. Para o cientista da
religião, todos esses textos têm valor histórico porque nos permite hoje
compreender como o cristianismo se desenvolveu.
Os
evangelhos que não foram recebidos no Novo Testamento são chamados de “apócrifos”,
para fins de estudos é um termo bastante genérico. A decisão sobre uma lista de
quais textos que comporiam o Novo Testamento foi um processo lento. E antes e
durante este processo, dezenas de escritores procuraram escrever a história e
os ensinamentos de Jesus. Esses textos sobre Jesus foram chamados de “evangelhos”.
Porém, temos evangelhos de diferentes gêneros literários e que nem se parecem
com os quatro do Novo Testamento.
É
importante salientar que o esforço dos autores cristãos antigos em preservar a
memória de Jesus fez com que surgissem muitos textos com ditos de Jesus além do
Novo Testamento. Verificar a historicidade de todos esses ensinamentos
atribuídos a Jesus é uma tarefa quase impossível. Mas todos eles têm seu valor
histórico e literário. Se eles não representam o pensamento de Jesus pelo menos
representam o que alguns seguidores de Jesus pensavam sobre ele.
O
leitor que está entrando em contato pela primeira vez com a história dos textos
apócrifos precisa considerar que o cristianismo primitivo era muito plural.
Havia muitos grupos com interpretações diferentes sobre os ensinamentos de
Jesus. Alguns eram até mesmo rivais. Portanto, os defensores dos evangelhos
canônicos, ou seja, a versão do cristianismo que prevaleceu como ortodoxa a
partir do consenso dos concílios ecumênicos não levou em consideração esses
textos apócrifos porque os tinha como heréticos.
Muitos
desses textos foram perdidos porque perderam proteção e tiveram sua transmissão
interrompida. Outros foram preservados e uma grande maioria foi redescoberta
nos achados arqueológicos do século passado, no Egito. Depois da Segunda Guerra
Mundial cresceu o interesse acadêmico por esses textos. Atualmente, vencido o
preconceito contra o rótulo de “apócrifos”, eles são objetos de estudo das
ciências da religião, da história e da literatura.
Apresentação dos evangelhos
apócrifos
Afinal,
quantos são esses evangelhos e quais são? Foram muitos e não sabemos quantos,
só sabemos que sobreviveram dezenas deles. Estes evangelhos são gêneros de
narrativos, de sentenças, de homilias. Os evangelhos mais estudados são:
Evangelhos dos Nazarenos, dos Ebionitas, dos Hebreus, Evangelho Desconhecido de
Egerton, dos Egípcios, de Tomé, de Pedro, de Maria, de Filipe, da Verdade, do
Salvador, da Infância de Tomé e Proto-Evangelho de Tiago e muitos outros textos
na íntegra ou em fragmentos que são também evangelhos.
De
que tratam esses evangelhos? O Evangelho dos Nazarenos contava aspectos sobre o
ensinamento e a vida pública de Jesus e foi utilizado por judeus-cristãos de
língua aramaica. O Evangelho dos Ebionitas foi utilizado por um grupo de
cristãos chamados de ebionitas que viveram em vários pontos da região
mediterrânea. O Evangelho dos Hebreus foi escrito e provavelmente utilizado no
Egito.
O
Evangelho Desconhecido de Egerton é um texto fragmentário vindo do Egito e
datado de 157 d. C. Ele possui quatro histórias presentes nos evangelhos
canônicos. O Evangelho dos Egípcios era conhecido do escritor Clemente de
Alexandria no século II. Destacam-se neste texto umas conversas entre Jesus e
Salomé. Foi um evangelho também utilizado no Egito.
O
Evangelho de Tomé é o evangelho mais próximo dos evangelhos canônicos. Muitos o
chamam de quinto evangelho. Trata-se de um texto de 114 ditos de Jesus a seus
discípulos. Ele era conhecido dos escritores cristãos antigos, mas foi
descoberta na íntegra apenas no século passado. É uma obra escrita na Síria entre 40 e 140 d.
C.
O
Evangelho de Pedro trata exclusivamente da história da paixão e da ressurreição
de Jesus. Segundo Bart Ehrman, ele foi utilizado como escrituras em algumas
igrejas no século II. O Evangelho de
Maria apresenta Jesus conversando com seus discípulos e Maria Madalena tem um
papel de liderança entre eles. Os fragmentos gregos deste evangelho são do
século II.
O
Evangelho de Filipe é uma coleção de homilias utilizadas como instrução para
batismo. O manuscrito copta deste texto é do século IV. O autor se concentra no
sentido dos sacramentos. O Evangelho da Verdade é um tratado da biblioteca de
Nag Hammadi e tem este título porque fala da boa nova da revelação de Deus através
do conhecimento que salva através de Jesus Cristo. Ele deve ter sido escrito antes de 180 d. C.
O
Evangelho do Salvador é uma narrativa sobre as últimas horas de Jesus, ou seja,
sobre sua paixão. Ele foi escrito provavelmente no século II utilizando antigos
escritos cristãos. O Evangelho da Infância de Tomé procura preencher as lacunas
deixadas pelos canônicos sobre a infância de Jesus. Ele conta vários episódios
da infância de Jesus, inclusive, travessuras. O texto circulou na primeira
metade do século II. E por fim, o Proto-Evangelho de Tiago se concentra na vida
de Maria até o nascimento de Jesus. Ele traz informações sobre os nomes dos
avós de Jesus e o nome de seus irmãos. Esse texto circulou por volta de 150 d.
C.
Considerações
finais
Neste
breve relato, apresentamos os principais evangelhos apócrifos. A importância de
se estudar esses textos é conhecer a história do cristianismo primitivo e o
desenvolvimento do cânon. O Novo Testamento é resultado de um processo
histórico e cultural lento e não foi resolvido em um só dia. Conhecer os textos
em torno de sua formação amplia nossa visão de como surgiu a fé cristã.
Referências
EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that Did not in
to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003.
GAMITO, José
Aristides da Silva. A Identidade de Jesus no Evangelho de Tomé: Divergência
ou complementaridade? Comunicação. VI Simpósio do Mestrado de Ciências das
Religiões. Faculdade Unida de Vitória, ES, 2017.
VAN OS,
Lubbertus Klaas. Baptism in Bridal Chamber: the
Gospel of Philip as a Valentinian Baptismal Instruction. University of
Groningen, 2007.
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