segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Evangelhos Apócrifos

QUANTOS EVANGELHOS FORAM ESCRITOS?
AS DIFERENTES VISÕES SOBRE JESUS

José Aristides da Silva Gamito


Introdução    

As instituições cristãs reconhecem como autorizados quatro evangelhos, a saber, Mateus, Marcos, Lucas e João. Eles são chamados de evangelhos canônicos. São textos que foram aceitos como inspirados pelo Espírito Santo pela igreja primitiva e que contêm o ensinamento verdadeiro de Jesus. Porém, foram escritos dezenas de evangelhos. Alguns mais antigos e mais próximos aos apóstolos e outros mais tardios e distantes de quem foi discípulo de Jesus. Para o cientista da religião, todos esses textos têm valor histórico porque nos permite hoje compreender como o cristianismo se desenvolveu.
Os evangelhos que não foram recebidos no Novo Testamento são chamados de “apócrifos”, para fins de estudos é um termo bastante genérico. A decisão sobre uma lista de quais textos que comporiam o Novo Testamento foi um processo lento. E antes e durante este processo, dezenas de escritores procuraram escrever a história e os ensinamentos de Jesus. Esses textos sobre Jesus foram chamados de “evangelhos”. Porém, temos evangelhos de diferentes gêneros literários e que nem se parecem com os quatro do Novo Testamento.
É importante salientar que o esforço dos autores cristãos antigos em preservar a memória de Jesus fez com que surgissem muitos textos com ditos de Jesus além do Novo Testamento. Verificar a historicidade de todos esses ensinamentos atribuídos a Jesus é uma tarefa quase impossível. Mas todos eles têm seu valor histórico e literário. Se eles não representam o pensamento de Jesus pelo menos representam o que alguns seguidores de Jesus pensavam sobre ele.
O leitor que está entrando em contato pela primeira vez com a história dos textos apócrifos precisa considerar que o cristianismo primitivo era muito plural. Havia muitos grupos com interpretações diferentes sobre os ensinamentos de Jesus. Alguns eram até mesmo rivais. Portanto, os defensores dos evangelhos canônicos, ou seja, a versão do cristianismo que prevaleceu como ortodoxa a partir do consenso dos concílios ecumênicos não levou em consideração esses textos apócrifos porque os tinha como heréticos.
Muitos desses textos foram perdidos porque perderam proteção e tiveram sua transmissão interrompida. Outros foram preservados e uma grande maioria foi redescoberta nos achados arqueológicos do século passado, no Egito. Depois da Segunda Guerra Mundial cresceu o interesse acadêmico por esses textos. Atualmente, vencido o preconceito contra o rótulo de “apócrifos”, eles são objetos de estudo das ciências da religião, da história e da literatura.

Apresentação dos evangelhos apócrifos

Afinal, quantos são esses evangelhos e quais são? Foram muitos e não sabemos quantos, só sabemos que sobreviveram dezenas deles. Estes evangelhos são gêneros de narrativos, de sentenças, de homilias. Os evangelhos mais estudados são: Evangelhos dos Nazarenos, dos Ebionitas, dos Hebreus, Evangelho Desconhecido de Egerton, dos Egípcios, de Tomé, de Pedro, de Maria, de Filipe, da Verdade, do Salvador, da Infância de Tomé e Proto-Evangelho de Tiago e muitos outros textos na íntegra ou em fragmentos que são também evangelhos.
De que tratam esses evangelhos? O Evangelho dos Nazarenos contava aspectos sobre o ensinamento e a vida pública de Jesus e foi utilizado por judeus-cristãos de língua aramaica. O Evangelho dos Ebionitas foi utilizado por um grupo de cristãos chamados de ebionitas que viveram em vários pontos da região mediterrânea. O Evangelho dos Hebreus foi escrito e provavelmente utilizado no Egito.
O Evangelho Desconhecido de Egerton é um texto fragmentário vindo do Egito e datado de 157 d. C. Ele possui quatro histórias presentes nos evangelhos canônicos. O Evangelho dos Egípcios era conhecido do escritor Clemente de Alexandria no século II. Destacam-se neste texto umas conversas entre Jesus e Salomé. Foi um evangelho também utilizado no Egito.
O Evangelho de Tomé é o evangelho mais próximo dos evangelhos canônicos. Muitos o chamam de quinto evangelho. Trata-se de um texto de 114 ditos de Jesus a seus discípulos. Ele era conhecido dos escritores cristãos antigos, mas foi descoberta na íntegra apenas no século passado.  É uma obra escrita na Síria entre 40 e 140 d. C.
O Evangelho de Pedro trata exclusivamente da história da paixão e da ressurreição de Jesus. Segundo Bart Ehrman, ele foi utilizado como escrituras em algumas igrejas no século II.  O Evangelho de Maria apresenta Jesus conversando com seus discípulos e Maria Madalena tem um papel de liderança entre eles. Os fragmentos gregos deste evangelho são do século II.
O Evangelho de Filipe é uma coleção de homilias utilizadas como instrução para batismo. O manuscrito copta deste texto é do século IV. O autor se concentra no sentido dos sacramentos. O Evangelho da Verdade é um tratado da biblioteca de Nag Hammadi e tem este título porque fala da boa nova da revelação de Deus através do conhecimento que salva através de Jesus Cristo.  Ele deve ter sido escrito antes de 180 d. C.
O Evangelho do Salvador é uma narrativa sobre as últimas horas de Jesus, ou seja, sobre sua paixão. Ele foi escrito provavelmente no século II utilizando antigos escritos cristãos. O Evangelho da Infância de Tomé procura preencher as lacunas deixadas pelos canônicos sobre a infância de Jesus. Ele conta vários episódios da infância de Jesus, inclusive, travessuras. O texto circulou na primeira metade do século II. E por fim, o Proto-Evangelho de Tiago se concentra na vida de Maria até o nascimento de Jesus. Ele traz informações sobre os nomes dos avós de Jesus e o nome de seus irmãos. Esse texto circulou por volta de 150 d. C.

Considerações finais

Neste breve relato, apresentamos os principais evangelhos apócrifos. A importância de se estudar esses textos é conhecer a história do cristianismo primitivo e o desenvolvimento do cânon. O Novo Testamento é resultado de um processo histórico e cultural lento e não foi resolvido em um só dia. Conhecer os textos em torno de sua formação amplia nossa visão de como surgiu a fé cristã.

Referências

EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003.

GAMITO, José Aristides da Silva.  A Identidade de Jesus no Evangelho de Tomé: Divergência ou complementaridade? Comunicação. VI Simpósio do Mestrado de Ciências das Religiões. Faculdade Unida de Vitória, ES, 2017.

VAN OS, Lubbertus Klaas. Baptism in Bridal Chamber: the Gospel of Philip as a Valentinian Baptismal Instruction. University of Groningen, 2007.



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