quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Setianismo e valentinianismo


A LITERATURA VALENTINIANA E SETIANA

José Aristides da Silva Gamito


O cristianismo primitivo era dividido em vários grupos, dentre eles estavam os valentinianos e os setianos. A importância de se estudar esses dois cristianismos é a literatura que deixaram. As duas fontes privilegiadas para o conhecimento das crenças dos setianos e dos valetinianos são as informações dos padres apologistas e dos códices descobertos em 1945 em Nag Hammadi no Egito.
Os padres apologistas apresentam suas ideias como doutrinas falsas, como “heresias”, portanto, é uma biografia contada pelos inimigos. Os textos de Nag Hammadi vieram contrabalancear essas informações, trazendo a voz dos próprios cristãos gnósticos. O cristianismo antigo era mais complexo do que se imagina. A posição ortodoxa sobrevivente é que contou a sua versão e a autenticou. Para fins acadêmicos, se quisermos pesquisar o cristianismo primitivo enquanto fenômeno cultural, temos de revisitar essas vozes silenciadas.
Apresentamos, portanto, os traços característicos e as obras principais das literaturas setiana e valentiana.

Literatura Setiana

Os textos setianos são marcados pela ênfase na história dos descendentes de Set; a doutrina da sabedoria divina, sua queda e restauração; rito batismal; especulações que relacionam Cristo com Set e com Adão e uma visão do mundo de fundo platônico.
As obras setianas foram compostas num período entre 100 a 250.  Segundo John Turner, o setianismo que era uma seita já existente, se cristianizou no século II. Eles identificaram o conceito de Logos com Cristo. Esta noção aparece no Evangelho canônico de João.  As obras refletem esta doutrina sobre Cristo: O Evangelho dos Egípcios, o Apócrifo de João, a Protennoia Trimórfica e Melquisedec.
O Apocalipse de Adão reflete a doutrina setiana do batismo. A contemplação e o êxtase místico são temas das obras Zostrianos, Marsenes, Allogenes e As Três Estelas de Set.

Literatura valentiniana

            As obras que remontam ao próprio iniciador do cristianismo valentiniano são o Evangelho da Verdade, os Salmos, a Epístola de Agatópus, a Espístola dos Anexos, Sobre os Amigos, Sobre as Três Naturezas e Sophia. Há entre estes também o Evangelho de Filipe e a Epístola de Pedro a Filipe. Vários autores valetinianos deixaram suas obras, chegando a constituir uma escola literária como Ptolomeu, Heracleão, Marcos, Teódoto, Florino e Teótimo.
            Este movimento foi atuante até o século IV. Essas obras contêm uma complexa mitologia na qual aparece as figuras de Cristo e da Sabedoria Divina. Para os valentinianos, Cristo era filho da Sabedoria Divina.

Considerações gerais

            Segundo Bart Ehrman, o gnosticismo influenciou doutrinas cristãs que se tornaram ortodoxas. A doutrina da Trindade tem similaridades com a crença gnóstica de várias personalidades para Deus, a noção de integração entre mundo natural e sobrenatural, a ideia de Deus como uma pessoa relacional. Algumas dessas doutrinas são recepções ortodoxas de ideias gnósticas ou são defesas de cosmovisões gnósticas.
            Portanto, a compreensão do cristianismo como um fenômeno social, cultural e histórico depende também dessas fontes gnósticas. Esta é a nossa contribuição para estimular o estudo da literatura do cristianismo primitivo.

Referências
ERHMAN, Bart. The Orthodox Corruption of Scripture. NY: Oxford University Press, 1993.
TURNER, John. Sethian Gnosticism: A literary history. S.d.e.

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Série Christianitates - Os cristianismos antigos 09




OS CRISTIANISMOS ANTIGOS

José Aristides da Silva Gamito

A concepção de um cristianismo único e homogêneo soa como um mito quando falamos do cristianismo dos primeiros séculos. As diferenças doutrinárias entre os diversos grupos, os costumes das diferentes regiões do Império Romano, tudo nos leva a desenhar um quadro desta religião como multifacetária. As comunidades cristãs antigas apresentavam variadas formas de vivenciar o cristianismo.
Os primeiros missionários levaram o cristianismo para as diversas províncias do
Império Romano. Entre fins do século II a início do século III, já havia cristãos na Espanha. Isso representa o extremo da expansão do movimento. Toda esta extensão territorial e esta variedade cultural geraram muitas polêmicas entre cristãos ortodoxos e heterodoxos. Os autores antigos como Hipólito de Roma, Ireneu de Lião e Epifânio de Esmirna escreveram críticas duras a pessoas que pregavam doutrinas diferentes e formavam comunidades independentes.

Os cristianismos antigos

Os principais grupos cristãos antigos são:

Gnosticismo: É uma corrente cristã que considerava que a salvação se dava pelo conhecimento. Um dos cristãos gnósticos mais influentes foi Valentim de Alexandria (+160). O gnosticismo compreendia vários grupos.
Valentianismo: É um dos ramos mais notáveis do gnosticismo fundado por Valentim de Alexandria.
Encratismo: É um cristianismo com práticas rigorosas como o vegetarianismo, a sobriedade alcoólica e o celibato.
Ebionismo: Era um grupo cristão que observava muitos pontos da lei judaica e negava a preexistênica de Jesus.
Carpocriacianismo: É um movimento cristão do século II iniciado por Carpócrates de Alexandria que considerava Jesus como filho biológico de José e rejeitava o Antigo Testamento.

Setianismo: É um movimento cristão que identificava Cristo com Seth e deixou uma extensa literatura inclusive textos apócrifos.
Marcionismo: Era um movimento cristão de base paulina, rejeitava o Antigo Testamento, tinha uma edição própria de Evangelho e uma moral severa.
Maniqueísmo: Era um grupo que acreditava que o universo era composto por um reino do bem e outro do mal, acreditavam num Cristo celestial.

Considerações gerais

Houve divisão entre os cristãos quanto à relação entre a Lei e a graça, quanto à aceitação do Antigo Testamento, quanto à natureza de Cristo. Foram dezenas de temas que geraram divisões. Epifânio de Salamina elenca em sua obra Panarion cerca de 25 grupos cristãos heterodoxos.
As controvérsias sobre a identidade de Cristo foram um dos temas que mais gerou divisões, as chamadas “controvérsias cristológicas”. Os concílios que aconteceram a partir do século III tinham como objetivo superar essas divisões através de normatizações e declarações de dogmas para toda a Igreja.
Por esta razão, os estudiosos Walter Bauer e Bart Ehrman consideram que o cristianismo primitivo era um conjunto de cristianismos. Havia várias versões das crenças cristãs. O que fizeram os concílios do século II ao século IV foi tentar homogeneizar uma vertente dogmática-padrão, “a ortodoxia católico-ortodoxa”.
Esta ortodoxia foi expressa pelos concílios ecumênicos. A maioria dos cristianismos heterodoxos, chamados de “heresias”, acabou não sobrevivendo.


sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Alexandria - Antioquia e Cesareia


AS GRANDES ESCOLAS TEOLÓGICAS DA ANTIGUIDADE II


SEDE
FUNDADOR
DIRETORES
ALUNOS DE DESTAQUE
CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS
Alexandria
Panteno (+200)
Clemente de Alexandria (150-215)

Orígenes (185-253)

Dionísio de Alexandria (+265)

Teognosto (+ 282)

Pierio (+310)

Dídimo, o Cego (313-398
Atanásio (296-373)

Cirilo (376-444)

Apolinário de Laodiceia (310-390)

Jerônimo (345-420)

Rufino de Aquileia (344-410)
ü   Grande influência do platonismo: o mundo visível é uma cópia do mundo real das ideias; e da síntese de Fílon entre filosofia, como método de interpretação e revelação.
ü   Forte tendência à interpretação alegórica das Escrituras (especialmente sob Orígenes).
ü   Sua doutrina do Logos, como uma ponte entre Deus e o mundo, é uma tentativa de reconciliar o evangelho com a filosofia grega.
ü   Tendência para exaltar o elemento divino em Cristo à custa de sua humanidade.
ü   Defesa firme do título theotokos (Mãe de Deus) aplicada a Maria.
ü   Confrontado com a escola de Antioquia, que a acusou de carnal por aderir à letra da Escritura.
Antioquia da Síria
Malquião (+ 270)
Diodoro de Tarso (+394)
Luciano de Antioquia (+312)

Ário (256-336)

Eusébio de Nicomédia (+342)

Isidoro de Pelúsio (+435)

João Crisóstomo (347-407)

Teodoro de Mopsuéstia (350-428)

Teodoreto de Ciro (393-458)

Nestório (381-c.450)
ü  Forte tendência à interpretação histórico-gramatical das Escrituras.
ü  Grande interesse na humanidade de Cristo e no Jesus histórico.
ü  Relutante em usar o título Theotokos (Mãe de Deus) aplicado a Maria.
ü  Ênfase em teologia pastoral e exegese científica.
ü  Confrontado com a escola de Alexandria, que ele acusou de destruir o valor histórico da Bíblia, transformando-o em mitologia.
ü  Atingiu seu apogeu no século IV.
Cesareia da Terra Santa
Orígenes (185-253)
Pânfilo (+310)
Gregório, o Taumaturgo (213-270)

Eusébio de Cesareia (263-339)

Basílio, o Grande (329-279)

Gregório de Nissa (330-394)

Gregório de Nazianzo (330-390)
ü  Continuava a linha de Alexandria, porém, mais moderada.

Referência
Las grandes escuelas teológicas de la antiguedad. Disponível em: <https://www.iglesiapueblonuevo.es/index.php?codigo=historiap85<. Acesso em 17 ago. 2018.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Alexandria e Antioquia


AS GRANDES ESCOLAS TEOLÓGICAS DA ANTIGUIDADE



Alexandria e Antioquia foram duas importantes escolas cristãs na antiguidade. Nos séculos IV e V, seus mestres estiveram envolvidos em polêmicas sobre a natureza de Cristo: debates cristológicos.  Para quem deseja aprofundar nos estudos sobre o cristianismo antigo é necessário o conhecimento sobre a influência desses lugares. Falamos de escola no sentido de “escolas de pensamento” e não como uma instituição concreta.
Os principais nomes da Escola de Alexandria foram Atanásio e Apolinário e da Escola de Antioquia foram Diodoro de Tarso, Teodoro de Mopsuéstia, Nestório de Constantinopla e João de Antioquia.
Apresentamos abaixo as características das duas escolas catequético-teológicas:

ESCOLA DE
ALEXANDRIA
ESCOLA DE
ANTIOQUIA
Ø  Tendência platônica nas suas abordagens;
Ø  Adotava o método alegórico da leitura da Bíblia;
Ø  Focava na dimensão interna de Cristo, sua composição metafísica e atividade;
Ø  As convicções soteriológicas eram marcadas pelos conceitos de santificação/divinização e relação mística;
Ø  Priorizava a unidade ontológica de Cristo – a humanidade e a divindade de Cristo formam um único ser (Logos/sarx);

Ø Tendência aristotélica nas suas abordagens, considerando as realidades concretas, factuais e as características discerníveis da realidade;
Ø Adotava a leitura literal e histórica da Bíblia;
Ø A concepção soteriológica girava em torno da ação corretiva da divindade sobre a humanidade;
Ø Distinguia homem e Deus em Cristo, com distinção em atitudes e substância, com preservação integral da dupla realidade  (Logos/anthropos);



Referência
‘Two Schools’: Alexandria and Antioch. Disponível em: http://www.monachos.net/library/index.php/patristics/themes/244-two-schools-alexandria-and-antioch. Acesso em 16 ago. 2018.

terça-feira, 14 de agosto de 2018

Série Christianitates - Trailer



Acesse no Youtube uma série de vídeo sobre as ideias e a literatura do cristianismo primitivo.

Série Christianitates - Os padres apologistas 08




PADRES APOLOGISTAS

O que fizeram os padres apologistas?

No século II depois de Cristo, encontramos uma geração de escritores cristãos que se propuseram a defender a doutrina do cristianismo. O cristianismo expandiu rápido dentro do Império Romano, mas também enfrentou muitas críticas. Diante das acusações e das perseguições sofridas, alguns padres da Igreja utilizaram apologias para fazer uma defesa pública do que ensinava e pretendia o cristianismo.
As apologias são textos dirigidos às autoridades romanas direta ou indiretamente que contêm os princípios básicos da fé cristã, explicados e justificados. Tudo começou com uma carta que Quadrato de Atenas (morreu em 129) dirigiu ao imperador Adriano. O objetivo destes textos era esclarecer para as autoridades e para os intelectuais daquela época as razões da fé cristã e, consequentemente, para obter tolerância religiosa.

Os principais padres apologistas

            Seguem os principais padres apologistas:
Aristides de Atenas (morto em 130): Escreveu um discurso de apologia ao imperador Adriano argumentando sobre a grandeza do cristianismo em relação às religiões da antiguidade.
Justino Mártir (165): Ele utilizou o discurso filosófico para defender o cristianismo. Escreveu ao imperador Marco Aurélio. Suas principais obras são as Apologias e o Diálogo com Trifão.
Hipólito de Roma (160-235): Escreveu a obra Tradição Apostólica retratando os costumes e as tradições dos séculos II e III da Igreja.
Apolinário de Hierápolis (século II): Escreveu também um discurso aos imperador Marco Aurélio.
Atenágoras de Atenas (133-190): Escreveu uma petição ao imperador Marco Aurélio em favor dos cristãos que eram acusados de ateísmo, incesto, antropofagia.
Teófilo de Antioquia (-181): A sua obra Autólico é uma apologia do cristianismo diante das demais filosofias.
Clemente de Alexandria (150-215): Foi chefe da famosa Escola Catequética de Alexandria e procurou harmonizar a fé e o conhecimento. Obras principais: Stromata, Pedagogo e Discurso aos Gregos.
Minúcio Félix (175-220): Era um advogado romano e através da obra Octavius defendeu os cristãos das acusações que eram levantadas contra eles.

Consequências da atuação dos apologistas

As apologias utilizam argumentos filosóficos para sustentar a fé cristã. O platonismo e o estoicismo, duas escolas filosóficas em voga naquele tempo, foram utilizadas para dar um discurso mais racional e intelectualizado ao cristianismo que originalmente era uma religião de iletrados. Este exercício dos padres apologistas possibilitou mais tarde o surgimento de uma filosofia cristã.
Portanto, o cristianismo em sua vertente discursiva é resultado do cruzamento do anúncio da fé em Jesus ressuscitado com o pensamento filosófico grego. Os concílios que normatizaram os dogmas cristãos platonizaram a mensagem de Jesus. Na verdade, aconteceu um movimento cruzado: Os defensores da religião cristã cristianizaram Platão e acabaram também platonizando Jesus. O método de interpretação do cristianismo a partir de conceitos filosóficos contribuiu também o desenvolvimento da teologia.



                                                                                                        

domingo, 12 de agosto de 2018

Série Christianitates - O que é a Patrística 07




O QUE É LITERATURA PATRÍSTICA?

1.    Patrística

A palavra Patrística vem do latim pater, “pai”. Trata-se de uma fase da literatura cristã dos primeiros séculos que ocorre imediatamente aos textos do Novo Testamento. Esses primeiros teólogos foram são chamados de Pais ou Padres da Igreja. Padre não tem nesse caso o significado de sacerdote. São pais porque eles foram os primeiros transmissores das doutrinas do cristianismo.
A Patrística abrange um período do século II até o Concílio de Calcedônia (451). Alguns estudiosos a prolongam até o século VIII. Vamos trabalhar com a divisão mais breve. Neste espaço de tempo, há duas fases da Patrística: 1º Do século II até o Concílio de Niceia (325); 2º Do Concílio de Niceia até o Concílio de Calcedônia (451).

2.    A importância dos textos patrísticos

Os documentos patrísticos são importantes para se conhecer o pensamento e os costumes dos cristãos antigos. No catolicismo e no ortodoxismo, eles são considerados os intérpretes originários do cristianismo. Neste vídeo, vamos abordá-los como literatura para o conhecimento da história do cristianismo. Eles representam o que se chamaria mais tarde cristianismo ortodoxo (ramo ortodoxo-católico). Um dos critérios para considerá-los como Padres da Igreja é justamente a “ortodoxia doutrinária”.
A literatura do cristianismo primitivo, como dissemos no primeiro vídeo desta série, abrange textos patrísticos, apócrifos e o Novo Testamento. Esta consideração está além da ortodoxia católico-ortodoxa, porque inclui textos dos muitos cristianismos e das muitas heterodoxias existentes. Os escritos heterodoxos normalmente são chamados de “heréticos” nos textos apologéticos.
É na Patrística que se desenvolverá a chamada “filosofia cristã”. Quando alguns filósofos se converteram ao cristianismo, eles procuraram embasar a fé cristã em termos filosóficos. A defesa do cristianismo diante da oposição da sociedade do Império Romano contou bastante com uma tentativa de sistematização da doutrina cristã em linguagem filosófica. Portanto, o cristianismo antigo teve influência do platonismo e do estoicismo.

3 – Consensus patrum

As igrejas católica e ortodoxa, muitas vezes, recorreram a estes textos para embasar alguma posicionamento de doutrina ou de moral quando o Novo Testamento não era claro naquele ponto. Este é o chamado consensus patrum. Os teólogos eram consultados sobre alguma tema que não está explícito no NT, então, eles contavam com o consenso dos “pais” por considerá-los mais próximos do tempo dos apóstolos. A antiguidade e a contigüidade ao NT deste textos os tornavam autoridade para desempate em termos de doutrina. A opção da Sola Scriptura limitou este uso no protestantismo, mas muitos teólogos protestantes têm apreço pela Patrística.
Os padres mais antigos são chamados de padres apostólicos porque são das duas primeiras gerações após a morte dos apóstolos. São eles Clemente de Roma (35-100), Inácio de Antioquia (35-110) e Policarpo de Esmirna (69-155) e os autores de Didaquê e Pastor de Hermas. Clemente e Inácio nasceram entre 5 a 7 anos depois da morte de Jesus. Policarpo, por exemplo, quando jovem, ouviu a pregação do apóstolo João. Ele escreveu uma Epístola aos Filipenses. Papias de Hierápolis também conviveu com João.
Dada a antiguidade destes textos, pode-se considerar que esses escritos são as fontes mais próximas do Novo Testamento para se conhecer o cristianismo. Por isso, eles são muito estudados. São fontes para o conhecimento cristianismo da ortodoxia católico-ortodoxa, mas também para os cristianismos concorrentes que foram perdidos.



Série Christianitates - O cânone do Novo Testamento 06





OS CÂNONES DE ANTIGUIDADE CRISTÃ

            Para começo de conversa vale salientar que a definição rígida de um cânone de Escrituras é um problema dos monoteísmos (cristianismo, judaísmo e islamismo). E sempre foi motivo de debates. Na antiguidade cristã, porém, podemos identificar este processo de formação do cânone do Novo Testamento. O Novo Testamento não definido da noite para o dia. Todo o processo de redação, transmissão e de definição dos textos sagrados estão atrelados a fatores culturais e sociais. Embora, fora da academia haja muita dificuldade por parte de crentes de aceitarem a historicidade deste processo. Mas ele não foi instantâneo, mágico!
            Os antigos cristãos tinham três critérios básicos para definir se um texto deveria ser incluído no Novo Testamento: a) Os livros deveriam ter autoridade apostólica, sendo escrito pelos apóstolos ou seus seguidores; b) Os textos deveriam estar em harmonia com os ensinamentos ortodoxos; c) Consenso na aceitação e uso pelos livros nas igrejas antigas. Mesmo com estes critérios não foi fácil definir o cânone!

Os cânones da antiguidade

            Cânon Muratoriano - A lista de livros canônicos do Novo Testamento mais antiga é o cânon muratoriano. Ela continha apenas 22 livros, Hebreus, Tiago, 1ª e 2ª Pedro e 3ª João ficaram de fora, e a acrescentava o Apocalipse de Pedro.
         Cânon de Orígenes de Alexandria – Orígenes nascido em 185, aceita em suas obras oquatro evangelhos, as cartas paulinas, uma carta de Pedro, uma carta de João e o Apocalipse de João. A Carta aos Hebreus está incluída.
            Cânon de Eusébio de Cesareia – No início do século IV, Eusébio em sua obra “História Eclesiástica” indica os livros do NT como canônicos. Mas informa que Tiago, Judas, 2ª Pedro, 2ª e 3ª João continuavam na controvérsia. O Apocalipse de João também não era aceito.
            Cânon de Atanásio de Alexandria – Atanásio aceitava os 27 livros do NT. A partir daí cresce uma convergência em torno do cânone.

            Cânon do III Sínodo de Cartago - Foi um concílio realizado no norte da África e que definiu pela primeira vez o cânone do Novo Testamento com 27 livros.

Notas gerais

            Portanto, foi somente em 397, no Concílio de Cartago, mais de 300 anos depois do início do cristianismo, é que houve um documento oficial registrando o consenso dos cristãos em torno do cânone do Novo Testamento. Neste concílio, foi registrada também a opção pelo cânone mais longo do Antigo Testamento, que voltará a ser motivo de debate na Reforma Protestante. Por esta razão, o Concílio Católico de Trento reafirmou a lista do século IV em 1546. O cânone de Lutero optou pelos cânones das primeiras etapas do cristianismo que são mais curtos, ou seja, com a exclusão dos antilegómena, e com a exclusão dos livros deuterocanônicos (para os católicos) ou apócrifos (para os protestantes) do cânone da Septuaginta.
            Qual é o cânone correto? Esta é uma questão de consenso interno das igrejas.
É uma disputa para se travar até o Juízo Final! O objetivo desta série é mostrar como ocorreu este processo nos primeiros séculos do cristianismo.