quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Evangelho dos Nazarenos em análise

A PERÍCOPE DO HOMEM RICO NO EVANGELHO DOS NAZARENOS

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Os cristãos nazarenos adotam uma versão do Evangelho de Mateus em língua aramaica. A versão é conhecida como Evangelhos dos Nazarenos e foi redigida no final do século I ou no começo do século II. Mais tarde com o reduzido número de pessoas que liam o aramaico o texto caiu em desuso e foi perdido.[1]
Os evangelhos dos quais só nos restam fragmentos são vários e são de difícil estudo justamente por causa das lacunas. Neste pequeno artigo, tomaremos as comparações de Orígenes e de Jerônimo com o Evangelho de Mateus para fazer algumas análises.

Análise da perícope do homem

O texto que conhecemos atualmente é um conjunto de citação dos pais da Igreja. Analisaremos de modo conciso o episódio do jovem rico que foi preservado por Orígenes na obra “Comentário sobre Mateus 15, 14”. Reproduzimos o trecho em questão:

1 O outro dos dois ricos perguntou a Jesus: Bom mestre, o que devo fazer de bom para viver? Jesus respondeu-lhe: “Homem bom, cumpre a Lei e os Profetas!” O rico respondeu-lhe: “É isso que pratiquei”. Então Jesus o desafiou: “Vai, vende tudo o que possuis, distribui-o aos pobres e depois vem e me segue!” Mas o rico coçou a cabeça, pois o desafio não lhe agradava. O Senhor perguntou-o: “Como podes dizer que praticaste a Lei e os Profetas? Na Lei está escrito: Amarás o próximo como a ti mesmo. E muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua está repleta de bens; nada sai dela para eles! E, dirigindo-se a seu discípulo Simão, que estava sentado a seu lado, Jesus prosseguiu: “Simão, filho de João, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”.[2]

O texto possui uma perícope correspondente no Evangelho de Mateus 19, 16-24:

Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”. “Quais?”, perguntou ele. Jesus respondeu: “‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe’ e ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’”. Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda? “Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me”. Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas. Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo ainda: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

            Há uma semelhança textual entre o Evangelho de Mateus e dos Nazarenos. Porém, podem-se notar marcas de uma redação própria que pode representar uma composição original. Os dois textos falam de um homem rico que procurava Jesus para saber o que bom ele tem de fazer para alcançar a vida eterna. Nos dois textos a resposta é cumprir a Lei. Em Mt, Jesus enumera os mandamentos. No texto do EvN, tudo é resumo nas expressões “a Lei e os Profetas”. O único mandamento citado é “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Nos dois textos, Jesus apresenta mais uma exigência já que o rico diz cumprir os mandamentos. A exigência é vender os bens e distribuí-los os pobres e seguir Jesus. A resposta desagrada o rico e Jesus afirma que é “mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.
            Todas as frases dos textos se aproximam semanticamente. Mas no EvN há um trecho que representa uma redação própria: “E muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua está repleta de bens; nada sai dela para eles!” Jesus acusa o rico de não compartilhar os seus bens com os pobres. Este trecho apresenta o motivo de Jesus insistir que dividir os bens com os pobres é uma exigência fundamental para atingir a vida eterna. Isso pode representar a inserção de um dito que completa o sentido da perícope de Mateus ou é uma produção própria contendo uma informação não acolhida ou não conhecida pelo autor de Mateus.
            Nos demais textos do EvN, há diferenças também de Mateus como observou Jerônimo.

VARIANTE
MATEUS
NAZARENOS
Mt 23, 35
“E assim cairá sobre vós todo o sangue dos justos derramado sobre a terra, desde o sangue do inocente Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar”.
“filho de Joiada”
Mt 27, 16
“Nessa ocasião, tinham eles um preso famoso, chamado Barrabás”.
“o nome dele (isto é, Barrabás) é interpretado como “filho do mestre deles”
Mt 12, 13
No momento da cura, o homem da mão atrofiado nada diz.
O homem tem fala e informa que era pedreiro.
Mt 6, 11
“o pão nosso de cada dia”
“o pão nosso de amanhã”
Mt 27, 51
“Nisso, o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo”
“a coluna enorme do templo quebrou e se dividiu”

São exemplos de que o EvN tem uma redação própria, tratando-se de uma obra original. Mas não temos como saber até que ponto é dependente ou não do Evangelho de Mateus.

Considerações finais         

       A categoria do rico e do pobre no EvN possui um contraste maior na perícope de Mt 19, 16-24. Jesus coloca em evidência a dívida que o rico tem em relação ao pobre. O que falta ao pobre está no excesso de bens que o rico segura. A vida eterna depende deste despojamento que confere vida ao próximo. Compartilhar os bens é assegurar a vida ao próximo. Portanto, o maior mandamento é amar o próximo como a si mesmo. Ênfase que não aparece na perícope de Mateus.

Referências

EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 9.

ZILLES, Urbano. Evangelhos Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.



[1] EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 9.
[2] ZILLES, Urbano. Evangelhos Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.

Nenhum comentário:

Postar um comentário