A
PERÍCOPE DO HOMEM RICO NO EVANGELHO DOS NAZARENOS
José
Aristides da Silva Gamito
Introdução
Os
cristãos nazarenos adotam uma versão do Evangelho de Mateus em língua aramaica.
A versão é conhecida como Evangelhos dos Nazarenos e foi redigida no final do
século I ou no começo do século II. Mais tarde com o reduzido número de pessoas
que liam o aramaico o texto caiu em desuso e foi perdido.[1]
Os
evangelhos dos quais só nos restam fragmentos são vários e são de difícil
estudo justamente por causa das lacunas. Neste pequeno artigo, tomaremos as
comparações de Orígenes e de Jerônimo com o Evangelho de Mateus para fazer
algumas análises.
Análise
da perícope do homem
O
texto que conhecemos atualmente é um conjunto de citação dos pais da Igreja.
Analisaremos de modo conciso o episódio do jovem rico que foi preservado por
Orígenes na obra “Comentário sobre Mateus 15, 14”. Reproduzimos o trecho em
questão:
1 O outro dos dois
ricos perguntou a Jesus: Bom mestre, o que devo fazer de bom para viver? Jesus
respondeu-lhe: “Homem bom, cumpre a Lei e os Profetas!” O rico respondeu-lhe: “É
isso que pratiquei”. Então Jesus o desafiou: “Vai, vende tudo o que possuis,
distribui-o aos pobres e depois vem e me segue!” Mas o rico coçou a cabeça,
pois o desafio não lhe agradava. O Senhor perguntou-o: “Como podes dizer que
praticaste a Lei e os Profetas? Na Lei está escrito: Amarás o próximo como a ti
mesmo. E muitos dos teus irmãos, filhos
de Abraão como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua
está repleta de bens; nada sai dela para eles! E, dirigindo-se a seu discípulo
Simão, que estava sentado a seu lado, Jesus prosseguiu: “Simão, filho de João,
é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar
no reino dos céus”.[2]
O texto possui uma perícope
correspondente no Evangelho de Mateus 19, 16-24:
Eis
que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom
para ter a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o
que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos
mandamentos”. “Quais?”, perguntou ele. Jesus respondeu: “‘Não matarás, não
adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe’
e ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’”. Disse-lhe o jovem: “A tudo isso
tenho obedecido. O que me falta ainda? “Jesus respondeu: “Se você quer ser
perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um
tesouro no céu. Depois, venha e siga-me”. Ouvindo isso, o jovem afastou-se
triste, porque tinha muitas riquezas. Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes
a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo ainda: é
mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no
Reino de Deus”.
Há uma semelhança textual entre o
Evangelho de Mateus e dos Nazarenos. Porém, podem-se notar marcas de uma
redação própria que pode representar uma composição original. Os dois textos
falam de um homem rico que procurava Jesus para saber o que bom ele tem de
fazer para alcançar a vida eterna. Nos dois textos a resposta é cumprir a Lei.
Em Mt, Jesus enumera os mandamentos. No texto do EvN, tudo é resumo nas
expressões “a Lei e os Profetas”. O único mandamento citado é “Amarás o próximo
como a ti mesmo”. Nos dois textos, Jesus apresenta mais uma exigência já que o
rico diz cumprir os mandamentos. A exigência é vender os bens e distribuí-los
os pobres e seguir Jesus. A resposta desagrada o rico e Jesus afirma que é “mais
fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino
de Deus”.
Todas as frases dos textos se
aproximam semanticamente. Mas no EvN há um trecho que representa uma redação
própria: “E muitos dos teus irmãos,
filhos de Abraão como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto
tua está repleta de bens; nada sai dela para eles!” Jesus acusa o rico de
não compartilhar os seus bens com os pobres. Este trecho apresenta o motivo de
Jesus insistir que dividir os bens com os pobres é uma exigência fundamental
para atingir a vida eterna. Isso pode representar a inserção de um dito que
completa o sentido da perícope de Mateus ou é uma produção própria contendo uma
informação não acolhida ou não conhecida pelo autor de Mateus.
Nos demais textos do EvN, há
diferenças também de Mateus como observou Jerônimo.
VARIANTE
|
MATEUS
|
NAZARENOS
|
Mt 23, 35
|
“E
assim cairá sobre vós todo o sangue dos justos derramado sobre a terra, desde
o sangue do inocente Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que
matastes entre o santuário e o altar”.
|
“filho de
Joiada”
|
Mt 27, 16
|
“Nessa
ocasião, tinham eles um preso famoso, chamado Barrabás”.
|
“o
nome dele (isto é, Barrabás) é interpretado como “filho do mestre deles”
|
Mt 12, 13
|
No
momento da cura, o homem da mão atrofiado nada diz.
|
O
homem tem fala e informa que era pedreiro.
|
Mt 6, 11
|
“o pão nosso
de cada dia”
|
“o pão nosso
de amanhã”
|
Mt 27, 51
|
“Nisso,
o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo”
|
“a
coluna enorme do templo quebrou e se dividiu”
|
São exemplos de que o EvN tem uma
redação própria, tratando-se de uma obra original. Mas não temos como saber até
que ponto é dependente ou não do Evangelho de Mateus.
Considerações
finais
A
categoria do rico e do pobre no EvN possui um contraste maior na perícope de Mt
19, 16-24. Jesus coloca em evidência a dívida que o rico tem em relação ao
pobre. O que falta ao pobre está no excesso de bens que o rico segura. A vida
eterna depende deste despojamento que confere vida ao próximo. Compartilhar os
bens é assegurar a vida ao próximo. Portanto, o maior mandamento é amar o
próximo como a si mesmo. Ênfase que não aparece na perícope de Mateus.
Referências
EHRMAN, Bart D. Lost Scriptures: Books that Did not in
to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 9.
ZILLES, Urbano. Evangelhos
Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.
Nenhum comentário:
Postar um comentário