sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Um "Evangelho segundo Pápias"?

PÁPIAS DE HIERÁPOLIS E A TRADIÇÃO DOS EVANGELHOS

José Aristides da Silva Gamito

Na obra “História Eclesiástica”, Eusébio de Cesareia nos informa que Pápias de Hierápolis preservou ensinamentos de Jesus no escrito “Explicações sobre as Palavras do Senhor”.  Nas citações que Eusébio faz de sua obra percebemos a preocupação que houve na antiguidade em preservar os verdadeiros ensinamentos de Jesus. Pápias procurava ouvir pessoas que conviveram com os apóstolos para garantir essa autenticidade da doutrina.
Porém, ao discutir essas memórias tão procuradas por Pápias, Eusébio já enfrentava dificuldades em discernir lendas de fatos históricos. A literatura e o fechamento de um cânone foram importantes para padronizar a doutrina. Uma função que tiveram também os concílios, mas ao mesmo tempo com o processo de institucionalização da igreja, muitas tradições sobre Jesus caíram no esquecimento. É um processo de perdas e ganhos. As igrejas buscaram na institucionalização algum consenso para a sobrevivência do movimento cristão, mas com a rejeição e destruição de obras heréticas ou não-canônicas houve um silenciamento de outras vozes do cristianismo primitivo.
Na obra de Pápias há um esforço de preservação de memórias de Jesus. Eusébio nos diz que ele ouvi dois discípulos dos apóstolos: Aristião e João, o Presbítero. Alguns fatos são citados pelo autor de “História Eclesiástica”. Conforme esses relatos, o apóstolo Filipe e suas filhas viveram em Hierápolis e cita dois milagres, um de ressurreição de um morto e outro de um homem que bebeu veneno e nada sofreu.
As tradições de Pápias envolvem “algumas estranhas parábolas do Salvador e de sua doutrina, e algumas outras coisas ainda mais fabulosas.” Uma das citações procura explica a autoria do Evangelho de Marcos:

“E o presbítero dizia isto: Marcos, que foi intérprete de Pedro, pôs por escrito, ainda que não com ordem, o quanto recordava do que o Senhor havia dito e feito. Porque ele não tinha ouvido o Senhor nem o havia seguido, mas, como disse, a Pedro mais tarde, o qual transmitia seus ensinamentos segundo as necessidades e não como quem faz uma composição das palavras do Senhor, mas de tal forma que Marcos em nada se enganou ao escrever algumas coisas tal como as recordava. E pôs toda sua preocupação em uma só coisa: não descuidar nada de quanto havia ouvido nem enganar-se nisto o mínimo.”[1]

            A autenticidade da obra de Marcos é garantida por ele ter ouvido Pedro e através das recordações do apóstolo, o evangelista não se enganou e nem descuidou de nada que Jesus fez e ensinou.
            Os escritos de Pápias são importantes para história da transmissão das memórias de Jesus e os evangelhos. Bauckham sugere que Pápias escreveu um texto similar aos evangelhos, alguma coleção de ditos de Jesus, a partir de outros evangelhos ou a partir de fontes orais. Ou poderia ser somente um comentário sobre as tradições sobre Jesus.[2] Se existiu um “Evangelho segundo Pápias”, ele ficou perdido.

Referências
BAUCKHAM, Richard. Papias and the Gospels. Disponível em: http://austingrad.edu/images/SBL/Papias%20and%20the%20gospels.pdf . Acesso em 08 dez. 2017.
CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002, p. 74-75.



[1] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. São Paulo: Novo Século, 2002, p. 74-75.

[2] BAUCKHAM, BAUCKHAM, Richard. Papias and the Gospels. Disponível em: http://austingrad.edu/images/SBL/Papias%20and%20the%20gospels.pdf . Acesso em 08 dez. 2017, p.2.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Evangelho dos Nazarenos em análise

A PERÍCOPE DO HOMEM RICO NO EVANGELHO DOS NAZARENOS

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Os cristãos nazarenos adotam uma versão do Evangelho de Mateus em língua aramaica. A versão é conhecida como Evangelhos dos Nazarenos e foi redigida no final do século I ou no começo do século II. Mais tarde com o reduzido número de pessoas que liam o aramaico o texto caiu em desuso e foi perdido.[1]
Os evangelhos dos quais só nos restam fragmentos são vários e são de difícil estudo justamente por causa das lacunas. Neste pequeno artigo, tomaremos as comparações de Orígenes e de Jerônimo com o Evangelho de Mateus para fazer algumas análises.

Análise da perícope do homem

O texto que conhecemos atualmente é um conjunto de citação dos pais da Igreja. Analisaremos de modo conciso o episódio do jovem rico que foi preservado por Orígenes na obra “Comentário sobre Mateus 15, 14”. Reproduzimos o trecho em questão:

1 O outro dos dois ricos perguntou a Jesus: Bom mestre, o que devo fazer de bom para viver? Jesus respondeu-lhe: “Homem bom, cumpre a Lei e os Profetas!” O rico respondeu-lhe: “É isso que pratiquei”. Então Jesus o desafiou: “Vai, vende tudo o que possuis, distribui-o aos pobres e depois vem e me segue!” Mas o rico coçou a cabeça, pois o desafio não lhe agradava. O Senhor perguntou-o: “Como podes dizer que praticaste a Lei e os Profetas? Na Lei está escrito: Amarás o próximo como a ti mesmo. E muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua está repleta de bens; nada sai dela para eles! E, dirigindo-se a seu discípulo Simão, que estava sentado a seu lado, Jesus prosseguiu: “Simão, filho de João, é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”.[2]

O texto possui uma perícope correspondente no Evangelho de Mateus 19, 16-24:

Eis que alguém se aproximou de Jesus e lhe perguntou: “Mestre, que farei de bom para ter a vida eterna?” Respondeu-lhe Jesus: “Por que você me pergunta sobre o que é bom? Há somente um que é bom. Se você quer entrar na vida, obedeça aos mandamentos”. “Quais?”, perguntou ele. Jesus respondeu: “‘Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não darás falso testemunho, honra teu pai e tua mãe’ e ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’”. Disse-lhe o jovem: “A tudo isso tenho obedecido. O que me falta ainda? “Jesus respondeu: “Se você quer ser perfeito, vá, venda os seus bens e dê o dinheiro aos pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois, venha e siga-me”. Ouvindo isso, o jovem afastou-se triste, porque tinha muitas riquezas. Então Jesus disse aos discípulos: “Digo-lhes a verdade: Dificilmente um rico entrará no Reino dos céus. E lhes digo ainda: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.

            Há uma semelhança textual entre o Evangelho de Mateus e dos Nazarenos. Porém, podem-se notar marcas de uma redação própria que pode representar uma composição original. Os dois textos falam de um homem rico que procurava Jesus para saber o que bom ele tem de fazer para alcançar a vida eterna. Nos dois textos a resposta é cumprir a Lei. Em Mt, Jesus enumera os mandamentos. No texto do EvN, tudo é resumo nas expressões “a Lei e os Profetas”. O único mandamento citado é “Amarás o próximo como a ti mesmo”. Nos dois textos, Jesus apresenta mais uma exigência já que o rico diz cumprir os mandamentos. A exigência é vender os bens e distribuí-los os pobres e seguir Jesus. A resposta desagrada o rico e Jesus afirma que é “mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”.
            Todas as frases dos textos se aproximam semanticamente. Mas no EvN há um trecho que representa uma redação própria: “E muitos dos teus irmãos, filhos de Abraão como tu, estão cobertos de andrajos e morrem de fome, enquanto tua está repleta de bens; nada sai dela para eles!” Jesus acusa o rico de não compartilhar os seus bens com os pobres. Este trecho apresenta o motivo de Jesus insistir que dividir os bens com os pobres é uma exigência fundamental para atingir a vida eterna. Isso pode representar a inserção de um dito que completa o sentido da perícope de Mateus ou é uma produção própria contendo uma informação não acolhida ou não conhecida pelo autor de Mateus.
            Nos demais textos do EvN, há diferenças também de Mateus como observou Jerônimo.

VARIANTE
MATEUS
NAZARENOS
Mt 23, 35
“E assim cairá sobre vós todo o sangue dos justos derramado sobre a terra, desde o sangue do inocente Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que matastes entre o santuário e o altar”.
“filho de Joiada”
Mt 27, 16
“Nessa ocasião, tinham eles um preso famoso, chamado Barrabás”.
“o nome dele (isto é, Barrabás) é interpretado como “filho do mestre deles”
Mt 12, 13
No momento da cura, o homem da mão atrofiado nada diz.
O homem tem fala e informa que era pedreiro.
Mt 6, 11
“o pão nosso de cada dia”
“o pão nosso de amanhã”
Mt 27, 51
“Nisso, o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo”
“a coluna enorme do templo quebrou e se dividiu”

São exemplos de que o EvN tem uma redação própria, tratando-se de uma obra original. Mas não temos como saber até que ponto é dependente ou não do Evangelho de Mateus.

Considerações finais         

       A categoria do rico e do pobre no EvN possui um contraste maior na perícope de Mt 19, 16-24. Jesus coloca em evidência a dívida que o rico tem em relação ao pobre. O que falta ao pobre está no excesso de bens que o rico segura. A vida eterna depende deste despojamento que confere vida ao próximo. Compartilhar os bens é assegurar a vida ao próximo. Portanto, o maior mandamento é amar o próximo como a si mesmo. Ênfase que não aparece na perícope de Mateus.

Referências

EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 9.

ZILLES, Urbano. Evangelhos Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.



[1] EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003, p. 9.
[2] ZILLES, Urbano. Evangelhos Apócrifos. Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 243.

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Os atos de alguns apóstolos

OS ATOS DOS APÓSTOLOS APÓCRIFOS


José Aristides da Silva Gamito


Introdução

Além dos Atos dos Apóstolos do Novo Testamento, existem muitos outros textos antigos com o título de “atos”. Eles contam a história dos apóstolos. São vários e alguns não recebem necessariamente o título de atos. Os atos são texto narrativo de gênero literário similar ao romance.
A lista que apresentamos neste pequeno artigo contém apenas partes desses atos, muitos outros são encontrados.

Apresentação dos atos apócrifos

A seguir elencamos alguns atos apostólicos: Atos de João, Atos de André, Atos de Paulo, Atos de Pedro, Atos de Tecla e Atos de Tomé. Comentaremos um pouco sobre cada um deles.
Os Atos de João descrevem as viagens de João na Ásia Menor e seus milagres. É um texto atribuído a Leukoios Karinos e foi escrito provavelmente no século II. Os Atos de André são do século II ou III e narram a atividade evangelizadora do apóstolo na Ásia Menor. Os Atos de Paulo contam suas atividades em várias cidades, inclusive, sua morte em Roma. Os Atos de Paulo contam, por sua vez, a atividade de Pedro em Roma, sua morte na cruz e diversos milagres.
Os Atos de Tecla contam a história de uma amiga de Paulo chamada Tecla. Ela foi pregadora e exerceu liderança apostólica. Os Atos de Tomé narram a viagem e a evangelização de Tomé na Índia.

Considerações finais

Os atos apostólicos apócrifos contêm narrativas diversas que partem desde possibilidades históricas até mesmo narrativas totalmente incríveis. Porém, muitas informações sobre a vida dos apóstolos provêm desses textos.

Referências

ADRIANO FILHO, José. Atos Apócrifos dos Apóstolos: Subversão para com o Império. Anais do Congresso ANPTECRE, v. 05, 2015, p. 217.

FARIAS, Jacir de Freitas. A Vida e Atos dos Apóstolos: segundo Atos Apostólicos Apócrifos.  Disponível em: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/Ribla/article/.../5556 Acesso em 06 dez. 2017.





Os Apocalipses além de João

OS APOCALIPSES DE NAG HAMMADI


José Aristides da Silva Gamito

Pintura medieval.
Introdução

Os cristãos contemporâneos comumente conhecem como apocalipse, o Apocalipse de João. Mas ele é apenas um exemplo de vários textos do cristianismo primitivo com este nome. São textos com visões apocalípticas dos fins dos tempos e outras visões sobre o segredo do reino divino.
Há textos apocalípticos tanto no Antigo Testamento quanto no Novo Testamento e também em textos apócrifos. Abaixo elencamos os apocalipses de Nag Hammadi.

Apresentação dos apocalipses

Dentre os textos descobertos em Nag Hammadi, no Egito, há cinco apocalipses. São eles: Apocalipse de Paulo, 1º Apocalipse de Tiago, 2º Apocalipse de Tiago, Apocalipse de Adão e Apocalipse de Pedro.
O Apocalipse de Paulo mostra o apóstolo ascendendo ao céu para receber uma revelação sobre o destino da alma após a morte. É datado do final do século IV. Segundo Bart Ehrman, a descrição de céu e inferno propagada no ocidente deve muito a essas tradições.
O 1º Apocalipse de Tiago pode ser provavelmente do século III. Ele contém revelações do Salvador antes da Paixão e depois da ressurreição. Aparece neste a ascensão da alma depois da morte. Esta uma marca característica dos apocalipses. O 2º Apocalipse do Tiago também tem revelações de Jesus a Tiago e uma batalha contra o criador do mundo material e seus arcontes é a idéia central.
O Apocalipse de Adão pode ser situado como originário do século II ou I.  O destinatário da revelação nesta obra é Set, filho de Adão. Ele contém características comuns com a literatura apocalíptica judaica.
A versão conhecida do Apocalipse de Pedro foi encontrada numa tradução etíope.  Ele apresenta um discurso de Jesus aos seus discípulos, descrevendo uma jornada ao céu e ao inferno e os eventos terríveis do julgamento final. Foi texto utilizado como Escrituras pelos antigos cristãos.

Considerações finais


Os textos canônicos não eram os únicos textos do ambiente judaico e cristão, eles são apenas um recorte de uma vasta literatura religiosa, da qual alguns ganharam o status de Escrituras Sagradas. O estudo aprofundado do Apocalipse de João pressupõe o conhecimento da literatura apocalíptica.

Referências

CHAVES, Julio César Dias.  The Nag Hammadi Apocalyptic Corpus: Delimitation and Analysis. Québec: Université Laval, 2007.

EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003.

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Evangelhos Apócrifos

QUANTOS EVANGELHOS FORAM ESCRITOS?
AS DIFERENTES VISÕES SOBRE JESUS

José Aristides da Silva Gamito


Introdução    

As instituições cristãs reconhecem como autorizados quatro evangelhos, a saber, Mateus, Marcos, Lucas e João. Eles são chamados de evangelhos canônicos. São textos que foram aceitos como inspirados pelo Espírito Santo pela igreja primitiva e que contêm o ensinamento verdadeiro de Jesus. Porém, foram escritos dezenas de evangelhos. Alguns mais antigos e mais próximos aos apóstolos e outros mais tardios e distantes de quem foi discípulo de Jesus. Para o cientista da religião, todos esses textos têm valor histórico porque nos permite hoje compreender como o cristianismo se desenvolveu.
Os evangelhos que não foram recebidos no Novo Testamento são chamados de “apócrifos”, para fins de estudos é um termo bastante genérico. A decisão sobre uma lista de quais textos que comporiam o Novo Testamento foi um processo lento. E antes e durante este processo, dezenas de escritores procuraram escrever a história e os ensinamentos de Jesus. Esses textos sobre Jesus foram chamados de “evangelhos”. Porém, temos evangelhos de diferentes gêneros literários e que nem se parecem com os quatro do Novo Testamento.
É importante salientar que o esforço dos autores cristãos antigos em preservar a memória de Jesus fez com que surgissem muitos textos com ditos de Jesus além do Novo Testamento. Verificar a historicidade de todos esses ensinamentos atribuídos a Jesus é uma tarefa quase impossível. Mas todos eles têm seu valor histórico e literário. Se eles não representam o pensamento de Jesus pelo menos representam o que alguns seguidores de Jesus pensavam sobre ele.
O leitor que está entrando em contato pela primeira vez com a história dos textos apócrifos precisa considerar que o cristianismo primitivo era muito plural. Havia muitos grupos com interpretações diferentes sobre os ensinamentos de Jesus. Alguns eram até mesmo rivais. Portanto, os defensores dos evangelhos canônicos, ou seja, a versão do cristianismo que prevaleceu como ortodoxa a partir do consenso dos concílios ecumênicos não levou em consideração esses textos apócrifos porque os tinha como heréticos.
Muitos desses textos foram perdidos porque perderam proteção e tiveram sua transmissão interrompida. Outros foram preservados e uma grande maioria foi redescoberta nos achados arqueológicos do século passado, no Egito. Depois da Segunda Guerra Mundial cresceu o interesse acadêmico por esses textos. Atualmente, vencido o preconceito contra o rótulo de “apócrifos”, eles são objetos de estudo das ciências da religião, da história e da literatura.

Apresentação dos evangelhos apócrifos

Afinal, quantos são esses evangelhos e quais são? Foram muitos e não sabemos quantos, só sabemos que sobreviveram dezenas deles. Estes evangelhos são gêneros de narrativos, de sentenças, de homilias. Os evangelhos mais estudados são: Evangelhos dos Nazarenos, dos Ebionitas, dos Hebreus, Evangelho Desconhecido de Egerton, dos Egípcios, de Tomé, de Pedro, de Maria, de Filipe, da Verdade, do Salvador, da Infância de Tomé e Proto-Evangelho de Tiago e muitos outros textos na íntegra ou em fragmentos que são também evangelhos.
De que tratam esses evangelhos? O Evangelho dos Nazarenos contava aspectos sobre o ensinamento e a vida pública de Jesus e foi utilizado por judeus-cristãos de língua aramaica. O Evangelho dos Ebionitas foi utilizado por um grupo de cristãos chamados de ebionitas que viveram em vários pontos da região mediterrânea. O Evangelho dos Hebreus foi escrito e provavelmente utilizado no Egito.
O Evangelho Desconhecido de Egerton é um texto fragmentário vindo do Egito e datado de 157 d. C. Ele possui quatro histórias presentes nos evangelhos canônicos. O Evangelho dos Egípcios era conhecido do escritor Clemente de Alexandria no século II. Destacam-se neste texto umas conversas entre Jesus e Salomé. Foi um evangelho também utilizado no Egito.
O Evangelho de Tomé é o evangelho mais próximo dos evangelhos canônicos. Muitos o chamam de quinto evangelho. Trata-se de um texto de 114 ditos de Jesus a seus discípulos. Ele era conhecido dos escritores cristãos antigos, mas foi descoberta na íntegra apenas no século passado.  É uma obra escrita na Síria entre 40 e 140 d. C.
O Evangelho de Pedro trata exclusivamente da história da paixão e da ressurreição de Jesus. Segundo Bart Ehrman, ele foi utilizado como escrituras em algumas igrejas no século II.  O Evangelho de Maria apresenta Jesus conversando com seus discípulos e Maria Madalena tem um papel de liderança entre eles. Os fragmentos gregos deste evangelho são do século II.
O Evangelho de Filipe é uma coleção de homilias utilizadas como instrução para batismo. O manuscrito copta deste texto é do século IV. O autor se concentra no sentido dos sacramentos. O Evangelho da Verdade é um tratado da biblioteca de Nag Hammadi e tem este título porque fala da boa nova da revelação de Deus através do conhecimento que salva através de Jesus Cristo.  Ele deve ter sido escrito antes de 180 d. C.
O Evangelho do Salvador é uma narrativa sobre as últimas horas de Jesus, ou seja, sobre sua paixão. Ele foi escrito provavelmente no século II utilizando antigos escritos cristãos. O Evangelho da Infância de Tomé procura preencher as lacunas deixadas pelos canônicos sobre a infância de Jesus. Ele conta vários episódios da infância de Jesus, inclusive, travessuras. O texto circulou na primeira metade do século II. E por fim, o Proto-Evangelho de Tiago se concentra na vida de Maria até o nascimento de Jesus. Ele traz informações sobre os nomes dos avós de Jesus e o nome de seus irmãos. Esse texto circulou por volta de 150 d. C.

Considerações finais

Neste breve relato, apresentamos os principais evangelhos apócrifos. A importância de se estudar esses textos é conhecer a história do cristianismo primitivo e o desenvolvimento do cânon. O Novo Testamento é resultado de um processo histórico e cultural lento e não foi resolvido em um só dia. Conhecer os textos em torno de sua formação amplia nossa visão de como surgiu a fé cristã.

Referências

EHRMAN, Bart D.  Lost Scriptures: Books that Did not in to the New Testament. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003.

GAMITO, José Aristides da Silva.  A Identidade de Jesus no Evangelho de Tomé: Divergência ou complementaridade? Comunicação. VI Simpósio do Mestrado de Ciências das Religiões. Faculdade Unida de Vitória, ES, 2017.

VAN OS, Lubbertus Klaas. Baptism in Bridal Chamber: the Gospel of Philip as a Valentinian Baptismal Instruction. University of Groningen, 2007.



domingo, 3 de dezembro de 2017

Evangelium Uxoris Iesu

EVANGELHO DA ESPOSA DE JESUS[1]
EVANGELIUM UXORIS IESU

INTRODUÇÃO

     O “Evangelho da Esposa de Jesus”, nome fictício, é um papiro cristão antigo de um diálogo entre Jesus e seus discípulos. Uma das datas sugeridas foi 741 d. C. A língua do texto é o copta saídico.

TEXTO COPTA

Página 01 (Frente)

1 Naei na tamaau AC} NAEI PWNH
2 C PEJE =MMA:YTYC =NI=C j C
3 ARNA MARIAM =MPSA =MMOC NA
4 PEJE =IC NAU TAHIME M=N
5 CNAS=RMA:YTYC NAEI AUW
6 I MARERWME E:OOU SAfE NE
7 ANOK }SOOP NMMAC ETBE P
8 OUHIKWN

Página 03 (Verso)

1 Tamaau
2 =NMSMNT
3 a...e...
4 ebwl etn
5 op...
6 ...mm



Tradução em português[2]

Página 01 (Frente)

1 Não (para) mim. Minha mãe me deu a vida...
2 .” Os discípulos disseram a Jesus
3 nega.  Maria (não?) digna de
4 ...” Jesus lhes disse: “Minha esposa...
5 Ela pode ser meu discípulo...
6 Deixa as pessoas perversas incham...
7 Para mim, eu estou com ela para.
8 ... uma imagem...

Página 02 (Verso)

1 Minha mãe
2 Três
3 a...e...
4 adiante
5 op...
6 ...mm


VOCABULÁRIO COPTA – PORTUGUÊS



}SOOP: aceito, recebo.
=IC: Jesus.
=MMA:YTYC: os discípulos.
=MPSA M=MOC: ser digno de.
=NI=C: a Jesus.
an: não. Partícula negativa.
ANOK: eu.
ARNA: negar, rejeitar.
AUW: e.
CNAS=R : ela será capaz de
ETBE: por causa de.
HIME: minha esposa.
Je: introduz o discurso.
M=N: com, junto, na companhia de.
MA:YTYC: discípulo.
maau: mãe.
MARERWME: pessoas más. 
MARIAM: Maria.
Naei: para mim.
NAU: a eles, lhes.
OUHIKWN: uma imagem.
PEJE: disse; disseram.
PWNH: a vida.
SAfE: inchar, aumentar.
TA: meu.



REFERÊNCIAS

KING, Karen L. “Jesus said to them, My wife…”: A New Coptic Papyrus Fragment. Havard Theological Review, v. 107, v.02, 2014, p.131-159.

LAMBDIN, Thomas O. Introduction to Sahidic Coptic. Macon: Mercer University Press, 1983.






[1] Texto publicado por Karen King na Revista Teológica de Havard, em 2014.
[2] Tradução para o português realizada por José Aristides da Silva Gamito (Conceição de Ipanema, MG, 03/12/2017) com base na versão inglesa do artigo: KING, Karen L. “Jesus said to them, My wife…”: A New Coptic Papyrus Fragment. Havard Theological Review, v. 107, n.02, 2014, p.131-159.