sábado, 4 de agosto de 2018

Os evangelhos ortodoxos e heterodoxos


A REDAÇÃO DOS EVANGELHOS

José Aristides da Silva Gamito




A pluralidade de evangelhos

Além dos quatro evangelhos do Novo Testamento, foram escritos nos primeiros séculos do cristianismo vários outros. O gênero literário evangelho que se consagrou como “narrativas sobre a vida” de Jesus não é o único. Houve evangelhos de sentenças, , de diálogos, de narrativas, de sermões. Muitos autores se propuseram a escrever os ensinamentos e a vida de Jesus.
Os evangelhos surgiram a partir da necessidade de preservar o ensinamento de Jesus, com a morte dos apóstolos, havia o risco do esquecimento de suas palavras. Mas não houve um processo conjunto, articulado para realizar esta tarefa. Cada autor pesquisou e registrou aquilo a que teve acesso. Supõe-se que circulou inicialmente uma lista de ditos de Jesus chamada pela academia de “Fonte Q” e ela teria sido base para a redação de vários evangelhos.
Os diferentes evangelhos refletem o pensamento de sua comunidade de origem e as crenças que ela tinha. Portanto, temos vários olhares sobre Jesus. Algumas palavras de Jesus não foram registradas em evangelhos, mas aparecem em textos diferentes. Em Atos 20, 35, há uma frase de Jesus não registrada pelos evangelhos. Esses ditos de Jesus são chamados de “ágrafos”, literalmente, “não escritos”.
As palavras de Jesus vão crescendo à medida que vamos considerando outras fontes: como fragmentos de evangelhos, variantes em manuscritos e citações dos Padres da Igreja. Porém, esta diversidade de evangelhos foi sendo esquecida e o cristianismo hegemônico fechou seu cânone em quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João.

Os evangelhos antigos

Além de vários fragmentos de evangelhos, temos preservados integralmente ou quase integralmente muitos evangelhos. Estes evangelhos que não estão no Novo Testamento são chamados de “apócrifos” ou “heterodoxos”. 
Evangelho de Tomé: É um evangelho de sentenças, apresenta similaridades com os evangelhos canônicos e foi escrito num período entre 50 e 150 d. C.
Evangelho de Filipe: É um evangelho de sermão, temos acesso a uma versão copta do seu texto, é um texto da segunda metade do século III e esteve associado à Escola Valentiniana.
Evangelho dos Egípcios: É um evangelho preservado em fragmentos, seu uso é conhecido no século II, no Egito. O texto foi muito citado por dar destaque a Salomé.
Evangelho dos Hebreus: É um evangelho sobre a vida de Jesus, utilizado por judeus que viviam no Egito, é do início do século III.
Evangelho da Verdade: É uma exaltação da salvação trazida por Jesus Cristo, é da metade do século II.

I - Relatos da infância

Evangelho da Infância de Tomé: São narrativas da infância de Jesus, entre a idade de 5 a 12 anos, do início do século II.
Protoevangelho de Tiago: É uma narrativa sobre a vida de Maria, desde seu nascimento até seu casamento e nascimento de Jesus. É de meados do século II.

II - Relatos da paixão de Jesus

Evangelho de Pedro: É uma narrativa sobre a paixão, morte e ressurreição de Jesus do século II.
Evangelho de Nicodemos: É relato da condenação, da morte e da descida aos infernos de Jesus, é um texto tardio (século V).
Evangelho do Salvador: É um relato das últimas horas de Jesus antes de sua morte, é da segunda metade do século II.
Evangelho de Judas: É uma conversa entre Judas e Jesus três dias antes da Páscoa, é do século II.

III - Diálogos de Jesus ressuscitado

Evangelho de Maria: É um diálogo entre Maria Madalena e os apóstolos sobre os ensinamentos reservados de Jesus, é um texto do século II.
Evangelho Secreto de João: É um texto com ensinamentos de João a partir de uma aparição de Jesus após sua ressurreição, do século II.

IV - Versões alternativas aos canônicos

Evangelho dos Ebionitas: É uma versão mesclada dos evangelhos canônicos utilizada pelos cristãos judeus, no início do século II.
Evangelho dos Nazarenos: É uma versão aramaica do Evangelho de Mateus do século II, utilizada pelos cristãos judeus.
Evangelho Secreto de Marcos: É uma versão mais ampla do Evangelho de Marcos, espiritualizada.
Evangelho de Marcião: É uma versão editada do Evangelho de Lucas feita por Marcião no século II.
Evangelho da Diatéssaron: É uma versão harmonizada dos quatro evangelhos, composta do Taciano no século II, e utilizada na Síria.
Além destes textos, há os fragmentos de papiros que são centenas, dentre eles encontram-se variantes dos evangelhos canônicos e textos totalmente diferentes do como o Evangelho de Egerton (Papyrus Egerton 2) e o Evangelho de Oxirrinco (Papyrus Oxhyrrinchus 1224).

O que nos diz a variedade de evangelhos?

A existência de uma pluralidade de evangelhos nos permite as seguintes afirmações:
a) Houve várias tentativas de se registrar os ensinamentos e os fatos da vida de Jesus; b) Cada evangelho reflete a concepção que o autor ou a sua comunidade tinha sobre Jesus; c) Não existe um só gênero literário para os evangelhos; d) Com a variedade de versões do evangelho, alguns procuraram editar e padronizar esses textos; e) As palavras e os fatos sobre a vida de Jesus estão dispersos nesta variedade de documentos de modo que distinguir ficção de realidade é muito difícil; f) Como as comunidades cristãs eram tão diversos e tão diversos eram seus ensinamentos que um grupo de bispos, mais tarde, procurou fechar cânone em quatro evangelhos.
            As informações sobre o processo de redação do Novo Testamento auxiliam na compreensão como historicamente foram desenvolvidas as crenças básicas do cristianismo e como elas foram transmitidas.

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