A REDAÇÃO DOS EVANGELHOS
José Aristides da Silva Gamito
A
pluralidade de evangelhos
Além dos quatro
evangelhos do Novo Testamento, foram escritos nos primeiros séculos do
cristianismo vários outros. O gênero literário evangelho que se consagrou como
“narrativas sobre a vida” de Jesus não é o único. Houve evangelhos de
sentenças, , de diálogos, de narrativas, de sermões. Muitos autores se
propuseram a escrever os ensinamentos e a vida de Jesus.
Os evangelhos surgiram
a partir da necessidade de preservar o ensinamento de Jesus, com a morte dos
apóstolos, havia o risco do esquecimento de suas palavras. Mas não houve um
processo conjunto, articulado para realizar esta tarefa. Cada autor pesquisou e
registrou aquilo a que teve acesso. Supõe-se que circulou inicialmente uma
lista de ditos de Jesus chamada pela academia de “Fonte Q” e ela teria sido
base para a redação de vários evangelhos.
Os diferentes
evangelhos refletem o pensamento de sua comunidade de origem e as crenças que
ela tinha. Portanto, temos vários olhares sobre Jesus. Algumas palavras de
Jesus não foram registradas em evangelhos, mas aparecem em textos diferentes.
Em Atos 20, 35, há uma frase de Jesus não registrada pelos evangelhos. Esses
ditos de Jesus são chamados de “ágrafos”, literalmente, “não escritos”.
As palavras de Jesus
vão crescendo à medida que vamos considerando outras fontes: como fragmentos de
evangelhos, variantes em manuscritos e citações dos Padres da Igreja. Porém,
esta diversidade de evangelhos foi sendo esquecida e o cristianismo hegemônico
fechou seu cânone em quatro evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João.
Os
evangelhos antigos
Além de vários
fragmentos de evangelhos, temos preservados integralmente ou quase
integralmente muitos evangelhos. Estes evangelhos que não estão no Novo
Testamento são chamados de “apócrifos” ou “heterodoxos”.
Evangelho
de Tomé: É um evangelho de sentenças, apresenta
similaridades com os evangelhos canônicos e foi escrito num período entre 50 e
150 d. C.
Evangelho
de Filipe: É um evangelho de sermão, temos acesso a uma versão
copta do seu texto, é um texto da segunda metade do século III e esteve
associado à Escola Valentiniana.
Evangelho
dos Egípcios: É um evangelho preservado em
fragmentos, seu uso é conhecido no século II, no Egito. O texto foi muito
citado por dar destaque a Salomé.
Evangelho
dos Hebreus: É um evangelho sobre a vida de Jesus,
utilizado por judeus que viviam no Egito, é do início do século III.
Evangelho
da Verdade: É uma exaltação da salvação trazida por
Jesus Cristo, é da metade do século II.
I
- Relatos da infância
Evangelho
da Infância de Tomé: São narrativas da infância de Jesus,
entre a idade de 5 a 12 anos, do início do século II.
Protoevangelho
de Tiago: É uma narrativa sobre a vida de Maria, desde seu
nascimento até seu casamento e nascimento de Jesus. É de meados do século II.
II
- Relatos da paixão de Jesus
Evangelho
de Pedro: É uma narrativa sobre a paixão, morte e
ressurreição de Jesus do século II.
Evangelho
de Nicodemos: É relato da condenação, da morte e da
descida aos infernos de Jesus, é um texto tardio (século V).
Evangelho
do Salvador: É um relato das últimas horas de Jesus
antes de sua morte, é da segunda metade do século II.
Evangelho
de Judas: É uma conversa entre Judas e Jesus três dias antes
da Páscoa, é do século II.
III
- Diálogos de Jesus ressuscitado
Evangelho
de Maria: É um diálogo entre Maria Madalena e os apóstolos
sobre os ensinamentos reservados de Jesus, é um texto do século II.
Evangelho
Secreto de João: É um texto com ensinamentos de João a
partir de uma aparição de Jesus após sua ressurreição, do século II.
IV
- Versões alternativas aos canônicos
Evangelho
dos Ebionitas: É uma versão mesclada dos evangelhos
canônicos utilizada pelos cristãos judeus, no início do século II.
Evangelho
dos Nazarenos: É uma versão aramaica do Evangelho de
Mateus do século II, utilizada pelos cristãos judeus.
Evangelho
Secreto de Marcos: É uma versão mais ampla do Evangelho de
Marcos, espiritualizada.
Evangelho
de Marcião: É uma versão editada do Evangelho de
Lucas feita por Marcião no século II.
Evangelho
da Diatéssaron: É uma versão harmonizada dos quatro
evangelhos, composta do Taciano no século II, e utilizada na Síria.
Além destes textos, há
os fragmentos de papiros que são centenas, dentre eles encontram-se variantes
dos evangelhos canônicos e textos totalmente diferentes do como o Evangelho de
Egerton (Papyrus Egerton 2) e o Evangelho de Oxirrinco (Papyrus Oxhyrrinchus
1224).
O
que nos diz a variedade de evangelhos?
A existência de uma
pluralidade de evangelhos nos permite as seguintes afirmações:
a) Houve várias
tentativas de se registrar os ensinamentos e os fatos da vida de Jesus; b) Cada
evangelho reflete a concepção que o autor ou a sua comunidade tinha sobre
Jesus; c) Não existe um só gênero literário para os evangelhos; d) Com a
variedade de versões do evangelho, alguns procuraram editar e padronizar esses
textos; e) As palavras e os fatos sobre a vida de Jesus estão dispersos nesta
variedade de documentos de modo que distinguir ficção de realidade é muito
difícil; f) Como as comunidades cristãs eram tão diversos e tão diversos eram
seus ensinamentos que um grupo de bispos, mais tarde, procurou fechar cânone em
quatro evangelhos.
As
informações sobre o processo de redação do Novo Testamento auxiliam na
compreensão como historicamente foram desenvolvidas as crenças básicas do
cristianismo e como elas foram transmitidas.
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