quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Jesus realmente existiu? Os testemunhos extra-neotestamentários


José Aristides da Silva Gamito
O historiador judeu Flávio Josefo.

A reconstituição do passado sempre será uma tarefa imprecisa. O conhecimento que temos de personalidades históricas está condicionado ao testemunho daqueles que transmitiram a informação. E, além disso, todo testemunho é ideologicamente marcado. Há algumas personalidades com maior peso histórico que acabam sendo vítimas de disputas. Quando procuramos saber quem foi Jesus, ainda encontramos algumas pessoas que duvidam da sua existência.
O problema que temos do conhecimento histórico de Jesus não é muito diferente de outras pessoas da antiguidade. Há quem pergunta também se Sócrates existiu ou não. Para o caso do conhecimento de Jesus temos fontes internas ao cristianismo e fontes externas de historiadores antigos. Os evangelhos são as fontes principais de informação sobre Jesus. No cristianismo antigo, foram escritos dezenas de evangelhos. Além dos quatro evangelhos canônicos, temos o Evangelho de Tomé (transmite os ensinamentos de Jesus), o Evangelho da Infância de Tomé (narra fatos da infância de Jesus, o Evangelho de Pedro (narra sua condenação e morte). Estes são apenas alguns exemplos de evangelhos apócrifos.
O uso destas obras como pesquisa histórica tem seus desafios. Não se pode tratar os evangelhos, genericamente, como fontes históricas. Mas eles contêm, indubitavelmente, elementos históricos importantes para se reconstituir a identidade de Jesus. É necessário ter claros critérios de pesquisa. Alguns textos mitificaram tanto a figura de Jesus que não são confiáveis para fins históricos.
As principais fontes sobre Jesus foram escritas por autores cristãos. Porém, há pessoas fora do círculo cristão que escreveram também sobre sua existência como Flávio Josefo. Josefo foi um historiador judeu nascido no ano 37. Ele redigiu quatro obras: “Guerra Judaica” (GJ), “Antiguidades Judaicas” (AJ), “Contra Ápio” e “Vida”, a sua autobiografia. Em seus escritos, ele menciona três pessoas relacionadas com o Novo Testamento: João Baptista (AJ 18, 116-119), Jesus Cristo (AJ 18, 63-64) e Tiago, irmão de Jesus (AJ 20, 200).
Nas “Antiguidades Judaicas”, quando Josefo escreve sobre Herodes, informa que João Batista foi executado injustamente e que Herodes foi punido pela derrota em uma guerra contra o rei Aretas.  A respeito de Jesus, ele escreve quando trata do governo de Pilatos. Jesus é descrito como um sábio que foi executado por Pilatos, cujos seguidores formaram a tribo dos cristãos. O texto informa que Jesus era: a) sábio; b) bom; c) foi crucificado; d) fez discípulos; e) foi considerado Messias e ressuscitou.[1] Depois informa ainda sobre um irmão de Jesus: Tiago. Segundo seu relato, Tiago foi apedrejado sob o governador Albino. O motivo da condenação foi por ter violado a Lei.[2] Portanto, as obras de Josefo são muito importantes para os estudos do Novo Testamento.
Nesta direção, aparece o historiador Suetônio. Ele comenta na obra “Vida de Cláudio” sobre os cristãos e menciona Cristo (Chrestus). Ele diz que os judeus foram expulsos de Roma por causa tumultos instigados por Cristo. Além desses dois historiadores, há dezenas de outros testemunhos. Muitos deles não dão detalhes. Além dos testemunhos internos e externos, existem aqueles imediatos: a) São as atas do governo de Pôncio Pilatos – eram documentos oficiais que narravam a condenação de Jesus (os textos não sobreviveram, mas são citados por Justino Mártir e Tertuliano); b) A versão das autoridades judaicas (a Mishná conta sobre a execução de Jesus).
Portanto, temos os testemunhos diretos e indiretos, intra-cristãos e extra-cristãos. Todos falam de Jesus, sejam a favor ou contra. Não há dúvidas sobre a existência de Jesus, mas responder sobre quem era Jesus com precisão não é simples. Teremos várias respostas. Embora, seja possível consenso sobre alguns fatos. O Cristo da fé sobressai na maioria dos textos porque são obras de propagandas do próprio movimento cristão.
 No campo das Ciências das Religiões, é importante considerar todos estes textos para entender como se estruturaram e se desenvolveram as crenças do cristianismo antigo. A diversidade de fonte permite uma visão de como o fenômeno era visto dentro e fora dos círculos cristãos. Os estudos do Novo Testamento também não estão sendo mais realizados como se seus textos fossem uma ilha.



[1] O texto aparece também na versão da história árabe de Agápio.
[2] PEREIRA, Maria Antónia Costa. Os primeiros cristãos em Flávio Josefo: João Baptista, Jesus Cristo e Tiago, irmão de Jesus. REVISTA LUSÓFONA DE CIÊNCIA DAS RELIGIÕES, Ano III, 2004 / n.º 5/6 – 191-199.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Os cânones bíblicos orientais: Quantos são os livros inspirados por Deus?



 
1.    Introdução

Desde a Reforma Protestante, foi reacendido um antigo debate sobre quais livros seriam, de fato, inspirados por Deus. A Igreja Católica manteve o cânone mais longo chamado de “alexandrino”, enquanto, os protestantes optaram pelo mais curto chamado de “palestinense”. Segundo uma tradição, os judeus fixaram seu cânone no Concílio de Jâmnia, nos fins do século I, excluindo os livros em grego que estavam incorporados na Septuaginta. Os reformadores seguiram a lista do cânone palestinense, porém, eles mantiveram os livros deuterocanônicos como apêndice. Eles os consideraram como instrutivos.
Por mais que haja uma tentativa de simplificação desta questão, na verdade, o assunto é mais complexo. Os cânones nunca tiveram fronteiras muito definidas.  Os primeiros cristãos utilizaram muitos livros além dos atuais cânones ocidentais. Os critérios para classificar os livros variaram de uma tradição eclesial para outra. Determinar o que Deus inspirou ou não é uma questão muito subjetiva e foi pensada de diversos modos na história. Portanto, a canonização dos livros dependeu de condições históricas e sociais específicas e que variaram de uma região para outra. É processo resultante do consenso das igrejas.

2.    Os cânones bíblicos orientais

A questão do cânone é mais complexa do que se imagina, além dos dois cânones em vigor no Ocidente, outras listas de livros são seguidas no Oriente.
Cânone de Igreja Ortodoxa Etíope: Ele contém todos os livros do cânone católico e acrescenta no Antigo Testamento: Jubileus, Enoque, 2º Esdras, Esdras Sutuel, 3º Macabeus, Tegsats (Repreensão), Livro de Josefas, filho de Bengorion e Salmo 151. No Novo Testamento, além dos canônicos ocidentais, há também Livro da Ordem, Livro do Arauto, Gitsew, Abtilis, 1º Livro de Dominos, 2º Livro de Dominos, 1ª Clemente e Didascália. São 46 do Antigo Testamento e 35 no Novo Testamento.[1]
Nas demais Igrejas Ortodoxas, há algumas variações. São aceitos como apêndice o 4º Macabeus, a Oração de Manassés no final de 2º Crônicas. Na Igreja Ortodoxa Russa, inclui-se o 3º Esdras.[2] Esta Igreja deixou a inclusão do cânone alexandrino como facultativo.[3]

Referências:
KLEIN, Carlos Jeremias. O Cânon do Antigo Testamento nas igrejas cristãs. Revista Eletrônica Correlatio v. 11, n. 21, p. 163-181, 2012.
PODHAJSKI, Maksym. Biblical Canon: Formation & Variations in Different Christian Traditions. Rocznik Teologii Katolickiej, tom XVI/3, rok, p. 37-52, 2017.


[1][1] Conferir cânon da Igreja Etíope: https://www.ethiopianorthodox.org/english/canonical/books.html. Acesso em 12 set. 2019.
[2] PODHAJSKI, Maksym. Biblical Canon: Formation & Variations in Different Christian Traditions. Rocznik Teologii Katolickiej, tom XVI/3, rok 2017, p. 37-52.
[3] KLEIN, Carlos Jeremias. O Cânon do Antigo Testamento nas igrejas cristãs. Revista Eletrônica Correlatio v. 11, n. 21, p. 163-181, 2012.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Os apócrifos relacionados com o Antigo Testamento


Manuscritos do Mar Morto.

Existem muitos outros livros apócrifos relacionados com o Antigo Testamento, selecionados alguns:

2º BARUQUE: Este livro apresenta Baruque como um profeta e contém orações, lamentações e visões. A obra inclui o Apocalipse de Baruque. O texto pode ser uma reação à queda de Jerusalém do ano 70 d. C.
4º ESDRAS: É também chamado de Apocalipse de Esdras. A obra fala de sete visões de Esdras, nas quais ele faz um questionamento e o arcanjo Uriel aparece para responder suas dúvidas. O livro pode ser uma resposta à destruição de Jerusalém. O texto pode ter sido escrito em torno de 90 a 96 d. C.
3° MACABEUS: É uma narrativa da perseguição contra os judeus na época do rei Ptolomeu IV entre 222 a 205 a. C. É uma representação de uma época anterior à História Macabaica. Este livro é reconhecido como deuterocanônico pelas Igrejas Ortodoxas Grega e Russa.
ENOQUE: É um texto apocalíptico atribuído ao patriarca Enoque. Ele foi escrito entre 170 e 64 antes de Cristo. Algumas reminiscências deste livro aparecem na Epístola de Judas (13-15).
ASSUNÇÃO DE MOISÉS: O livro narra a história do mundo desde Adão até o tempo do autor, contém uma história em que Satanás disputa com o arcanjo Miguel o corpo de Moisés. Deve ter sido escrito entre 3 a. C. a 30 d. C. É citado na Epístola de Judas (1, 19).
TESTAMENTO DOS DOZES PATRIARCAS: A obra trata da ordem dos doze patriarcas, filhos de Jacó, antes da morte. Cada patriarca conta sua vida, suas virtudes e seus vícios e aconselha os leitores a seguirem seus exemplos.