AS
CRENÇAS RELIGIOSAS SÃO BÁSICAS OU DESENVOLVIDAS COMO SUB-PRODUTOS? UMA CRÍTICA
AO SENSUS DIVINITATIS DE ALVIN
PLANTINGA
José
Aristides da Silva Gamito
1.
A
crítica de Alston e Van Eyghen à tese do
sensus divinitatis
Como resposta à questão
de como se formam as crenças religiosas, Alvin
Plantinga propõe o conceito de sensus
divinitatis. A discussão a respeito do conhecimento religioso pretende
verificar a racionalidade das crenças religiosas. Plantinga propõe a tese do sensus divinitatis para salvaguardar a
racionalidade da fé.
O sensus divinitatis é “um senso inato e natural de Deus ou de
divinidade, que é a origem e a fonte das religiões no mundo”. Isso quer dizer
que naturalmente, independente de uma revelação sobrenatural, as pessoas tendem
a formar crenças religiosas. A mente humana teria um mecanismo de intuição da
existência de Deus.[1]
As fontes primárias de Plantinga são Tomás de Aquino e João Calvino.
Este sensus divinitatis depende de algumas
circunstâncias para ser despertado. A beleza e a engenhosidade da natureza
podem despertar este senso de uma divindade. Em Plantinga, ecoa o argumento
cosmológico de Tomás de Aquino, segundo o qual a ordem e a perfeição da
natureza remetem a mente humana à existência do divino.[2]
Segundo Van Eyghen, Plantinga tem sempre uma
condição “se Deus existe”, então, ele criou a humanidade para reconhecê-lo. A
crítica de Van Eyghen é que o conceito de Plantinga cabe exclusivamente na
concepção teísta. Além do mais, ele está bem no cristianismo especificamente.
Trata-se de uma epistemologia da religião cristianocêntrica. Isto é notável
quando ele considera que a leitura das Escrituras e a escuta do testemunho de
alguém são eventos que despertam o sensus
divinitatis.[3]
William
Alston defende que Deus não depende de um mecanismo
cognitivo para ser conhecido. Segundo este, as crenças religiosas são formadas
por prática doxástica confiável (reliable
doxastic practice). A fonte do conhecimento religioso é a percepção
provocada pela experiência. A percepção mística dependeria de uma experiência
para se ter consciência do divino.[4]
Portanto, a percepção
das coisas não depende da formulação de um conceito. Não seria necessário um
mecanismo especial para a produção de crenças religiosas e nem circunstâncias
específicas como a leitura de um livro sagrado ou o testemunho de um crente. A
diferença principal entre Alvin Plantinga e William Alston é que o primeiro vê
o problema religioso através de uma perspectiva interna, já o segundo foca no
exterior.
Plantinga incluiu,
explicitamente, um sentimento de presença divina entre as crenças que podem ser
produzidas pelo sensus divinitatis.Plantinga considera que há circunstâncias
favoráveis à formação de crenças teístas, mas nem todos se deparam com estas
circunstâncias.
Para Alston, as percepções
de Deus trazem uma ligação de causa entre a crença e o que é percebido. Porém,
para Van Eyghen, as percepções imediatas de Deus são impossíveis. A percepção
divina defendida por Alston é indireta e mediada pela natureza. Como nem todas
as pessoas têm essas experiências, as crenças religiosas podem ser formadas
também ouvindo o testemunho de quem já teve. Assim como percebemos os estados
mentais das outras pessoas a partir de suas ações, a percepção de Deus pode ser
entendida de modo semelhante.[5]
2.
A
contribuição das ciências cognitivas da religião
Na direção contrária ao
sensus divinitatis de Alvin Plantinga estão também as ciências cognitivas da
religião (CCR). Segundo este campo de estudo, não há um mecanismo cerebral
específico para a formação de crenças religiosas. O que ocorre é a
superativação de mecanismos ordinários.
Segundo Justin Barrett, as pessoas adquirem
crenças em deuses e espíritos através da detecção de agentes com
hiperatividade. É a detecção de agentes onde ninguém os vê. A hiperatividade
pode ter sido desenvolvida como uma forma segura de nossos ancestrais se
defenderem de predadores muito pequenos. A ideia do invisível se formou quando
alguém ouvia um barulho, percebia movimentos sem identificar o agente. Vários autores
defendem uma explicação semelhante: a) o sentimento da presença de agentes
(BARRET); b) conexão social com os estados mentais dos outros (BERING); c)
entrada de um senso moral (GRAY); d) um sentimento de base emotiva (GRANQUIST e
KIRKPATRICK).[6]
De acordo com Pascal Boyer, as crenças religiosas
surgem a partir de conceitos contraintuitivos. Os conceitos contraintuitivos
são aqueles eventos que quebram a expectativa do comportamento normal do mundo.
Uma parte considerável das crenças religiosas se baseia em violações de
expectativas naturais como homens alados, virgem mãe, mortos que ressuscitam,
agentes que atravessam paredes. Porém, como observaVan Eyghen, nem todas as
quebras de expectativas resultam em crenças religiosas. Por isso, Boyer
considera que “conceitos religiosos são uma forma especial de conceitos minimamente
contraintuitivos.” [7]
De acordo com Stewart Guthrie, o traço universal da
religião é o antropomorfismo. O homem ao observar a natureza deu-lhe feições e
comportamentos humanos. Ele tende a ver rostos humanos nas nuvens e de atribuir
uma causa para desastres naturais como se fosse a ação de um agente
inteligente. Este comportamento fez o animismo se desenvolver na direção das
religiões.[8]
As ciências cognitivas
da religião consideram as crenças religiosas não como crenças básicas e inatas,
mas um sub-produto de mecanismos cognitivos ordinários. A arquitetura mental é
uma condição necessária para ocorrer crenças religiosas, porém, não é
suficiente.
Na linha dos
cognitivistas, acrescentamos Jesse Bering e Robert Mccauley. Eles acreditam que
as crenças religiosas são formadas de modo similar ao modo como formamos
crenças sobre as mentes dos outros. Os agentes sobrenaturais podem ser
sub-produtos do conhecimento social
ordinário.[9]
Em direção semelhante, Will Gervais e Ara Norenzayan encaram a religião como um facilitador de interação
em grupo. Portanto, a origem das crenças religiosas está vinculada à
socialização. A transmissão das crenças dependeria de predisposições cognitivas
em interação como as predisposições culturais.[10]
3.
Considerações
finais
De um modo geral, a tese do sensus divinitatis tem uma ampla relação
de críticos. Ela se acomoda bem para um religioso teísta, porém, quando se
observa o fenômeno religioso de modo
amplo esbarra-se em muitos obstáculos. As contribuições das ciências
cognitivistas e da linha evolucionista ajudam a identificar fatores naturais para
a formação de crenças religiosas sem apelar para um mecanismo específico na
mente humana que assegure a racionalidade do conhecimento religioso.
Referências
BORTOLONI, Tiago; YAMAMOTO, Maria Emília. Surgimento e
manutenção do comportamento religioso. Estudos de Psicologia, v. 18, n. 2, p. 223-229, 2013.
VAN EYGHEN,
Hans. There is no Sensus Divinitatis. Journal for the Study of Religions and
Ideologies, vol. 15, issue 45, 24-40, 2016.
WESTH,
Peter. Anthropocentrism in Gods concepts: The role of narrative. In: GEERTZ,
Armind W. (Ed.), Origins of Religion, Cognition and Culture, n. 2, p.
1-22, 2005.
[1] VAN EYGHEN, Hans. There is
no Sensus Divinitatis. Journal for the
Study of Religions and Ideologies, vol. 15, issue 45, 2016, p. 24-40.
[8] WESTH, Peter. Anthropocentrism in Gods concepts: The role of
narrative. In: GEERTZ, Armind W. (Ed.), Origins of Religion, Cognition and Culture, n. 2, 2005,
p. 1-22.
[9] VAN EYGHEN, 2016, p. 24-40.
[10] BORTOLONI, Tiago; YAMAMOTO, Maria Emília. Surgimento e
manutenção do comportamento religioso. Estudos de Psicologia, v. 18, n. 2, p. 223-229, 2013.
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