PRAMANAVARTIKKA:
UMA TEORIA DO CONHECIMENTO NO PENSAMENTO BUDISTA
PRAMANAVARTIKKA: A THEORY OF KNOWLEDGE IN
BUDDHIST THOUGHT
José
Aristides da Silva Gamito
1.
Introdução
Pramanavarttika
significa “Comentário sobre o Conhecimento Válido”. É uma das obras mais
importantes do budismo sobre epistemologia e lógica. A obra foi escrita no
século VI pelo brâmane Dharmakirti.
O
tratado foi escrito em 2.000 versos mnemônicos, dividido em quatro capítulos
que tratam de inferência, conhecimento válido, percepção sensorial e silogismo.
É uma obra de referência no budismo sobre o tema.[1]
Dharmakirti
(600-610 d. C.) estudou as obras de Dignaga no monastério de Nalanda, na Índia.
Por se destacar neste campo do conhecimento, escreveu Os Sete Tratados sobre o
Pramana, dentre eles está o Pramanavarttika. Dharmakirti e Dignaga
influenciaram o pensamento budista. Suas maiores contribuições são sobre o
raciocínio inferencial. Eles são classificados como lógicos porque
desenvolveram um sistema de Lógica e de Epistemologia calcado sobre uma nova
forma de raciocínio dedutivo.
Além
disso, a obra de Dharmakirti é usada como um modelo de análise das escrituras
budistas. E serviu de base para a
fundamentação epistemológica do currículo de muitos monastérios tibetanos.[2]
2.
Epistemologia
e Lógica Budistas
O
Pramanavarttika contém pontos
fundamentais de Lógica. Dentre eles estão os reconhecedores inferenciais
corretos e os perceptores diretos corretos que são ferramentas facilitadoras do
entendimento. Eles são a consciência conceitual que compreende os principais
objetos na dependência sobre razões corretas. Esses elementos são fundamentais
para a prática budista porque auxilia o fiel a eliminar falsas percepções são
responsáveis pelos problemas humanos.
O
silogismo budista tem quatro partes: 1 – Sujeito; 2 – Predicado; 3 – Razão
correta; 4 – Exemplo. Veja a seguir um deles:
A
respeito do sujeito, o corpo físico, ele é impermanente, por que ele é um
produto de suas próprias causas e condições. Por exemplo, como o último momento
de uma chama de uma vela.
No
caso acima, “corpo físico” é o sujeito; “impermanente” é o predicado e “um
produto de suas próprias causas e condições” é a razão correta, e “o último
momento de uma chama de uma vela” é o exemplo.[3] Este
silogismo se distingue do grego que é composto por três elementos: Premissa
maior, premissa menor e conclusão. O exemplo clássico é o seguinte:
Todo
homem é mortal,
Sócrates
é homem,
Logo,
Sócrates é mortal.
A
obra Pramanavarttika desenvolve os
princípios da lógica em quatro capítulos: Inferência para o próprio benefício,
estabelecimento do Pramana, perceção
direta e inferência para o benefício dos outros.
No
primeiro capítulo “Inferência para o próprio benefício”, Dharmakirtti introduz
o silogismo correto, sua estrutura, categorias e definições. O segundo
homenageia Buda como um reconhecedor válido (Pramana) e comenta alguns princípios budistas para demonstrar que a
literatura Pramana é útil a assuntos
religiosos. Os dois últimos capítulos desenvolvem os oito pontos fundamentais
da lógica.[4]
Dois
tipos de conhecimento são expostos na epistemologia budista: Conhecimento
direto[5] e
conhecimento inferencial. Há alguns fenômenos que podem ser conhecimento somente
através da inferência. Isso depende de silogismos corretos.
No
budismo há várias interpretações em torno do problema do conhecimento. O conhecimento
é despertado pelo contato com os objetos externos. Os estímulos dos cinco
sentidos se transformam em sensações. A consciência se apropria delas e procura
entendê-las a partir das experiências acumuladas. Por outro, existe uma percepção
mental que chega através do manas. Este
estímulo vem através de uma imagem ou idéia.
O
objeto e a consciência do objeto são a mesma coisa. O conteúdo da consciência não
vem de fora, mas está inserido na própria consciência. O ser das coisas
coincide com o ser da consciência. O mundo empírico é ideal e a objetividade é
uma categoria da consciência. A descoberta intuitiva da verdade faz superar o
plano da ilusão.
O
conhecimento se revela por sua natureza e é uma síntese inseparável de percipiente,
percebido e percepção. A escola Sautrantika discorda desse idealismo e defende
a existência objetiva do real. Nesse caso a origem do conhecimento está na impressão
dos objetos que forma representações e através desta induzimos a existência dos
objetos.[6]
Dharmakirti
considerava como meio de conhecimento a percepção mental (manasa pratyaksa) além da sensorial. Segundo Dharmakirti (apud
Tucci):
A
percepção mental segue imendiatamente a percepção sensorial que constitui sua
própria causa homogênea imediatamente precedente: Esta é cooperante com o
objeto que imediatamente segue o objeto próprio da percepção sensorial”.[7]
O
objeto e o conhecimento sensorial produzem uma única sensação mental. A outra forma de percepção apontada por
Dharmakirti é a experiência interior (svasamvedana).
Ela é uma autoconsciência infalível da nossa pessoa que temos através dos
estados de dor e de prazer.[8]
3.
Considerações
finais
Como brevemente exposto acima, nas escolas
indianas podem se encontrar conceitos, doutrinas e conhecimento similares à
filosofia ocidental. Tratamos exclusivamente da tradição de Dharmakirti, mas as
escolas Nyaya, Mimamsa, Sankhya e Jaina também trataram do tema. Muito se frisa
no meio acadêmico que a filosofia é um fenômeno especificamente grego. Isso é
parcialmente verdadeiro porque não se pode atribuir esta especificidade de produção
racional unicamente aos gregos. Outros povos produziram conhecimentos
similares. É claro o rótulo “filosofia” não será exato para denominá-lo, mas
isso não minimiza sua importância.
Pouco se conhece do pensamento indiano no
Ocidente, chegam até nós muitos estudos preocupados exclusivamente com doutrina
religiosa ou técnicas de meditação. O conhecimento de um pensamento sistemático
ainda é recente. Poderíamos repetir a questão: Existe uma filosofia indiana?
Budista? Ainda encontraremos muita polêmica em torno disso. Mas é inegável a contribuição
dos indianos antigos para a história do pensamento.
Referências
BRITANNICA,
Encyclopedia. Pramanavarttika.
Disponível em: https://global.britannica.com/topic/Pramana-varttika. Acesso em 20 jul. 2017.
WANGMO, Kelsang. The
Second Chapter of Pramanavarttika. Dharamsala: IBD, 2016.
TUCCI, Giuseppe. Storia della Filosofia Indiana. Roma:
Laterza, 2005.
[1] Pramanavarttika. Disponível em: https://global.britannica.com/topic/Pramana-varttika. Acesso em 20 jul. 2017.
[2]
WANGMO, Kelsang. The Second Chapter of
Pramanavarttika. Dharamsala: IBD, 2016.
[3] WANGMO, 2016, pp. 5-7.
[4] WANGMO, 2016, pp. 8-10.
[5] Pratyaksa, em sânscrito, significa “percepção; aquilo que cai sob
os olhos”.
[6] TUCCI, Giuseppe. Storia della Filosofia Indiana. Roma:
Laterza, 2005, pp. 130-133.
[7] TUCCI, 2005, p. 160.
[8] TUCCI, 2005, p. 162.
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