domingo, 24 de novembro de 2019

Culto no cristianismo antigo


O SURGIMENTO DE UM RITO PARA A CEIA EUCARÍSTICA

THE EMERGENCE OF A RITE FOR THE EUCHARISTIC SUPPER

José Aristides da Silva Gamito
1. Introdução

As reuniões dos primeiros cristãos tiveram início de modo simples, imitando o cotidiano, sem uma ordem estabelecida. Eles se reuniam periodicamente para rememorar a última ceia do Senhor. Na comunidade de Corinto, surgiu um problema. As assembleias estavam ficando tumultuadas. Paulo intervém com uma carta. O apóstolo não informa detalhes sobre o rito mínimo que esta comunidade seguia. Ele apenas diz que é necessário tem uma ordem.
Geralmente, a reunião começava com comidas e bebidas. Era um momento para colocar os dons a serviço da comunidade. As cartas eram lidas durante esta reunião. A evolução da ceia eucarística foi acontecendo aos poucos. A realização de uma refeição de confraternização era o centro porque era o memorial do Senhor. Aliás, um banquete (symposium) tinha lugar em várias associações da antiguidade. O banquete não era somente para comer, mas também para discutir filosofia, realizar ritos religiosos.

2. O desenvolvimento do rito da Ceia do Senhor

A recitação das palavras de Jesus na última ceia parece que foi sendo incorporada no rito da eucaristia desde o começo. Paulo faz referência à bênção que era proferida sobre o cálice (1 Cor 1,16). A fórmula da ceia do Senhor é descrita em 1 Coríntios 11, 23-27. Mais tarde, depois do ano 90, na Didaquê aparecem duas bênçãos que deveriam ser proferidas sobre o cálice e sobre pão (Did. 9, 1-5). Após a ceia havia uma ação de graças que deveriam ser rendidas (Did. 10, 1-6).
Já no século II, surgem algumas prescrições rituais. Porém, os ritos variavam de lugar para lugar. Justino Mártir informa seguinte ordem: a) Leitura dos evangelhos ou profetas; b) pronunciamento do presidente; c) oração comum; d) apresentação da comida e da bebida; e) oração eucarística; f) distribuição dos alimentos; g) refeição e h) coleta (I Ap. 67, 3-6). Clemente de Alexandria apresenta a seguinte ordem: a) Leitura das Escrituras; b) interpretação; c) refeição eucarística; d) oração e e) canto de hinos.[1]
No final do século II, Tertuliano no Apologeticum fornece uma rápida visão da ordem dos atos na ceia: a) oração de pedido e de intercessão; b) leitura das Escrituras; c) sermão; d) coleta; e) oração eucarística; f) refeição; g) cantos e h) canto final.  Este autor menciona também que o costume era se reunir aos domingos. Tertuliano aponta que nos grupos de cristãos heréticos, além desses atos, havia ênfase em revelações e em curas.[2]
Nos atos apócrifos, a ordem das partes que compunham as assembleias era diversa, mesmo com a manutenção de alguns elementos. Nos Atos de João: a) sermão; b) oração; c) prece eucarística; d) refeição eucarística. Nos Atos de Pedro, a ordem variava: a) oração eucarística; b) advertências; c) oração de intercessão; e de outro modo: a) leitura das Escrituras; b) sermão; c) oração; d) curas; e) refeição eucarística. Nos Atos de Paulo, a ordem preferida era: a) oração; b) fração do pão; c) sermão e d) discurso profético; e) refeição eucarística e f) cantos.[3]
No século III, a liturgia ganha um caráter sacramental. Segundo a Tradição Apostólica, as orações de ação de graças antecediam a refeição eucarística. A ordem do rito que vai se definindo é a seguinte: a) saudação do bispo; b) oração eucarística; c) oração comum; d) recitação de salmos; e) bênção sobre o cálice e o pão; f) comida e bebida; g) instrução do bispo; h) após a refeição, distribuição do apophoreta. Na Didascália, a ordem é a seguinte: a) oração; b) leitura das Escrituras; c) sermão; d) oração eucarística e f) eucaristia.[4]

3. Considerações finais

Podemos dizer que, do ponto de vista da história do cristianismo primitivo, a missa católica e o culto neopentecostal representam duas versões extremas das assembleias dos primeiros cristãos. A missa racionalizou os atos através de um rito fechado, organizado, excessivamente medido. O culto neopentecostal optou pelo uso livres dos elementos rituais, chegando à quase ausência de ritos. As liturgias antigas estavam a meio caminho dessas extremidades.

Referências
ALIKIN, Valeriy Alexandrovich. The earliest history of the christian gathering origin, development and content of the christian gathering in the first to third centuries. Doctor’s thesis. University of Leiden, 2009.

DIDAQUÊ. Didaquê. In: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995.


[1] ALIKIN, Valeriy Alexandrovich. The earliest history of the christian gathering origin, development and content of the christian gathering in the first to third centuries. Doctor’s thesis. University of Leiden, 2009, p. 60.
[2] ALIKIN, 2009, p. 60-61.
[3] ALIKIN, 2009, p. 62.
[4] ALIKIN, 2009, p. 63.

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