sábado, 21 de dezembro de 2019

Apresentação do livro "O Evangelho de Tomé: A Outra Face de Jesus"


Neste vídeo, apresento meu livro "O Evangelho de Tomé: A Outra Face de Jesus" publicado pela Fonte Editorial. Para adquiri-lo entre em contato pelo e-mail: joaristides@gmail.com.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Tomé na Índia


EM 72 DEPOIS DE CRISTO, O APÓSTOLO TOMÉ ERA MARTIRIZADO
 NA ÍNDIA

David B. Green
 
Martírio de Tomé, pintura de Peter Paul Rubens de 1636.
A 21 de dezembro do ano 72 depois de Cristo se deu o martírio de Tomé, o Apóstolo, de acordo com a tradição de várias igrejas cristãs. Como todos os 12 apóstolos, ou discípulos de Jesus, Tomé era um judeu praticante e recebeu a missão de seu mentor de espalhar seus ensinamentos, tanto entre judeus quanto entre gentios.
Tanto no Evangelho de João como nos Atos de Tomé, Tomé é descrito como “Tomé, que se chama Dídimo”, uma redundância, pois “Tomé” vem da palavra aramaica teoma, significando "gêmeo" (em hebraico, é te'om), para o qual a palavra em grego é didymos.
Não está claro nem nos Evangelhos, escritos no final do século I, nem nos Atos de Tomé, do século II, de quem ele seria gêmeo, mas existem várias referências em fontes clássicas que sugerem que ele era o irmão do apóstolo Judas (filho de Tiago) ou do próprio Jesus.
Nenhuma das fontes nos fala sobre as origens de Tomé, mas, como os outros apóstolos, presume-se que ele veio da Galileia, como Jesus, e que voltou para lá para ensinar após a morte de Jesus.

Você acredita?

Tomé foi considerado um cético porque se recusou a acreditar nos relatos de visões de um Jesus ressuscitado até que, de acordo com João 20,25, seu mestre lhe apareceu e ele tem oportunidade de tocar as marcas de suas feridas. Quando Jesus aparece a Tomé, este o chama de “meu Senhor e meu Deus”, e Jesus parece zombar dele gentilmente quando responde: “Você acreditou porque me viu? Bem-aventurados os que não visto e ainda crer.” (João 20,29).
Antes, quando seu mestre lhe disse que partiria em breve para preparar um lar no céu para seus seguidores, que se juntarão a ele um dia, o prático Thomas diz: “Senhor, não sabemos para onde você está indo; como podemos saber o caminho? "(João 14,5).
A designação de 21 de dezembro como a data da morte de Tomé é derivada de uma tradição na qual qualquer pessoa que se encaixa na descrição de um “Tomé que duvida” pode ter alguma dificuldade em dar crédito.

Sacerdotes de Kali

Uma tradição tardia vê Tomé como aquele que levou o evangelho de Jesus ao subcontinente indiano, primeiro ao reino noroeste de Gondoforo. Então, de acordo com os Atos de Tomás do século III, no ano 52, o apóstolo navegou, na companhia de um viajante judeu chamado Abanes, até o extremo sul da Índia, até o porto de Muziris, atual Pattanam, no Estado de Kerala.
Kerala já tinha naquela época uma comunidade judaica. Uma obra do século XVII chamada Thomma Parvam (Canções de Tomé) diz que ele converteu 40 judeus na sua chegada, juntamente com 3 mil hindus de origem brâmane.
Os historiadores modernos acreditam que o cristianismo chegou à Índia vários séculos após a época do Tomé histórico, com a chegada de cristãos da Síria e de Perisa.
O martírio de Tomé, no entanto, ocorreu não na costa oeste da Índia, mas do outro lado do subcontinente, na cidade de Mylapore, no sudeste, perto de Chennai. Lá, Tomé entrou em conflito com os sacerdotes hindus de Kali, que o mataram por insultar sua divindade - ou simplesmente por converter muitos de seus seguidores. (Marco Polo, no século XIII, soube que Tomé havia morrido, mais de um milênio antes, quando um arqueiro caçando pavões acidentalmente o matou.)
Seus ossos foram então trazidos para a cidade de Mylapore e enterrados dentro de uma igreja que ele já havia construído lá, onde no século XVI, exploradores portugueses construíram a Basílica de São Tomé, que foi reconstruída pelos britânicos em 1893.
Hoje, 21 de dezembro ainda é observado como o dia da festa de São Tomé em algumas igrejas protestantes e entre católicos tradicionalistas. Na Igreja Católica Romana, no entanto, o dia da festa foi transferido, em 1960, para 3 de julho, para não interferir nos dias que antecederam o Natal, em 25 de dezembro.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Saint Thomas came to South America


SAINT THOMAS CAME TO SOUTH AMERICA:
 THE LEGEND OF PAY SUMÉ

José Aristides da Silva Gamito

Pay Sumé.

        After the death of Jesus, the apostles depart to all nations following what their Master said:  “Go, therefore, and make disciples of all nations.” The Acts of Apostles tells us the story of missionary journeys of Paul and also it tells about the beginning of the Church in Asia and Rome. Peter and Paul are the main characters in the Acts of Apostles. Some years later, in addition to this source many other acts about the destiny of apostles emerged.
The Gospel of Thomas Studies inspired me to set up a relationship between the traditions of the Apostle Thomas and Brazilian indigenous mythology. Thomas is traditionally believed to sailed to India in 52. And he spread the Christianity in Indian state of Kerala. A local tradition believes that Thomas established seven churches in Kerala.
There are different traditions that connect Thomas to Syria, Parthia and India. Eusebius of Caesarea reports that the apostle preached to the Parthians. The Acts of Thomas introduces Thomas as the missionary of India. Another tradition connects his name to Edessa city, in Syria. If you join these traditions it’s possible to thinking that Thomas departs from Syria to Eastern nations.
I just made this introduction to talk about a striking coincidence. There is an indigenous legend in Brazil called Pay Sumé (literally, “Father Thomas”).[1] Thomas is translated into Portuguese as “Tomé”. Sumé is similar to Tomé.[2] When the Jesuit priest Manuel da Nóbrega arrived in Brazil, he heard an important story about some god. Pay Sumé came from the Atlantic Ocean and taught agriculture, fishing techniques and moral rules to indigenous peoples.[3] He did many miracles. But some caciques conspired against Sumé and they tried to kill him. Sumé disappeared at sea.
In Brazilian religious syncretism, the people mixed the two characters (Thomas and Sumé) by Jesuits’ influence. Firstly, the American continent was called India. The information about the journey of Saint Thomas to India was propitious for colonizers to develop this legend.

References

HERRERA-SOBEK, Maria (2012). Celebrating Latino Folklore: An Encyclopedia of Cultural Traditions. [S.l.].

NAVARRO, E. A. Dicionário de Tupi Antigo: a Língua Indígena Clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013.


[1] HERRERA-SOBEK, Maria (2012). Celebrating Latino Folklore: An Encyclopedia of Cultural Traditions. [S.l.]: ABC-CLIO. 1329 páginas.
[2] Sumé is a name from Old Tupi Language. Pay is a borrowed word from Portuguese and means “Father”.
[3] NAVARRO, E. A. Dicionário de Tupi Antigo: a Língua Indígena Clássica do Brasil. São Paulo. Global. 2013. p. 448.

sábado, 30 de novembro de 2019

Nomistas e antinomistas


UMA CONTROVÉRSIA DO CRISTIANISMO PRIMITIVO: A DISPUTA ENTRE NOMISTAS E ANTINOMISTAS

A CONTROVERSY IN EARLY CHRISTIANITY: THE DISPUTE
BETWEEN NOMISTS AND ANTINOMISTS

José Aristides da Silva Gamito
Resumo

A polêmica entre fé e obras tem sua origem no cristianismo primitivo. As igrejas paulinas eram antinomistas e consideravam que o Evangelho estava acima da Lei. As igrejas judaico-cristãs eram nomistas e aceitavam a fé em Jesus sem desconsideração com a Lei. Neste contexto, se insere a diferença doutrinal entre Paulo e Tiago.

Palavras-chave: Fé. Obras. Nomista. Antinomista. Paulo. Tiago.

Abstract
The controversy between faith and works has its origin in early christianity. The pauline churches were antinomist and considered the Gospel above the Law. The judeo-christian churches were nomist and accepted faith in Jesus without disregard for the law. In this context, the doctrinal difference between Paul and James is inserted.

Keywords: Faith. Works. Nomista. Antinomist. Paulo. Tiago.

1. Introdução

Quando Lutero postula a doutrina da justificação pela fé e põe em marcha uma polêmica com a Igreja Católica do século XVI, ele não estava fazendo algo totalmente inédito. Esta mesma controvérsia existiu no cristianismo primitivo. Na Igreja dos primeiros séculos, existiam os nomistas que eram cristãos de origem judaica que reivindicavam a autoridade da Lei e os antinomistas que consideravam que a nova aliança tinha um poder revocatório da Lei.[1]
A controvérsia do século XVI surge da contraposição das leituras de Romanos e de Tiago. Os dois textos dão ênfases diferentes ao binômio fé/obras. Paulo considera que a adesão ao Evangelho pela fé é suficiente para a salvação (Rm1, 16-17). Tiago 3, 14-26 já entra no mérito de modo incisivo: “Acaso a fé poderá salvá-lo?” As obras são a comprovação da fé. Elas são o aspecto exterior da religião.  Uma fé sem obras é morta.
Neste artigo, vamos buscar alguns testemunhos desta polêmica no início do cristianismo. As diferentes visões a respeito da Lei ocorreram naturalmente dentro do processo de formação do cristianismo. Como, dentro de um primeiro estágio, o cristianismo era apenas um movimento reformista dentro judaísmo, era esperado um debate sobre o que permaneceria válido ou não do Antigo Testamento. Mais tarde, houve uma ruptura definitiva entre as duas religiões, aí estas decisões ficaram mais fáceis.

2. O antinomismo das igrejas paulinas

            As cartas aos Romanos e aos Gálatas nos indicam que os cristãos de tradição paulina rejeitavam a autoridade da Lei judaica. A Carta aos Romanos 1, 16-17 anuncia que a justificação se dá por meio da fé. A Carta aos Gálatas 3, 1-5 também argumenta dizendo que o Espírito foi conferido aos cristãos pela adesão à fé e não pelas obras da Lei. Fora dos escritos paulinos, está a Carta aos Hebreus. Esta carta, que parece ter sido escrita na Itália (Hb 13, 24), defende claramente que a antiga Lei foi revogada (Hb 7, 18-19). Portanto, para os cristãos a salvação vem da fé no Evangelho. Esta característica doutrinal foi marcante nas comunidades paulinas.
No começo das missões fundadoras das primeiras comunidades, já começava esta polêmica em torno do valor da Lei. Alguns membros da Igreja de Jerusalém começaram a cobrar dos antioquenos que eles deveriam antes se circuncidar para depois aderir à fé em Jesus. Diante da polêmica, Paulo e Barnabé vão a Jerusalém para consultar os apóstolos (At 15, 1-4).
Em Jerusalém, aconteceu o primeiro debate conciliar da igreja. Os cristãos de origem farisaica impunham a Lei como condição para a salvação. Mas, Pedro se posiciona dizendo que “é pela graça do Senhor Jesus que nós cremos ser salvos” (At 15, 11). Tiago intervém também no debate dizendo que eles não deveriam incomodar os gentios convertidos (At 15, 19).
A partir deste aval dos apóstolos, Paulo leva seu antinomismo até as últimas consequências. Portanto, uma vasta área geográfica ocupada pelas igrejas paulinas preservou a doutrina da supremacia da fé sobre as obras. Marcião de Sinope (85-160) representou reação mais extrema antinomista. Ele era natural da Ásia Menor.
Marcião considerava o Deus do Antigo Testamento incompatível com o Deus de Jesus. De acordo com seu ponto de vista, a Lei estava abolida como Paulo ensinou. Quando ele se posicionou sobre o cânon bíblico, aceitou apenas o Evangelho de Lucas e as cartas paulinas como Escrituras e rejeitou o Antigo Testamento integralmente. Ele teve o mérito de ser o primeiro a reivindicar a noção de Novo Testamento como Escrituras. Paulo era o autor preferido de Marcião justamente por causa da doutrina da supremacia da fé.

3. O nomismo das igrejas judaico-cristãs

As igrejas paulinas se situavam fora da Palestina e eram compostas por pagãos e judeus que haviam nascidos na diáspora. O distanciamento das tradições do Templo de Jerusalém facilitou a propagação da revogação da Lei. Porém, aquelas comunidades cristãs oriundas de judeus convertidos, sejam de grupos de fariseus, sejam de judeus influenciados pela tradição do Templo, não se desapegaram facilmente da autoridade da Lei.
A Carta de Tiago era proveniente de uma comunidade judaico-cristã. Segundo a tradição, Tiago foi o primeiro bispo de Jerusalém. Esta carta representa uma visão distinta de Paulo, segundo a qual a prática das virtudes da Lei é indispensável para a salvação. Tiago contém um apelo à Lei e ao espírito do profetismo do Antigo Testamento que enfatiza o dever ético do judeu para com os órfãos e as viúvas.
     Há registro de igrejas judaico-cristãs que conservaram uma reverência à Lei mesmo acreditando em Jesus. Dentre os nomistas, estão os cristãos ebionitas. Os ebionitas acreditavam que Jesus era simples homem nascido de homem e mulher. Eles tinham predileção pela observância da Lei em detrimento da fé. Observavam o sábado e toda disciplina judaica e seu Evangelho de uso era dos Hebreus (27, 1-5).[2] Os cristãos ebionitas consideravam a predominância da Lei. Eles mantinham práticas judaicas, além de observarem o sábado, aceitavam a circuncisão e realizavam rituais em purificação (30, 2,5).[3]
     Os nazarenos também acreditavam em Jesus, mas tinham a Lei em alta consideração. Eles eram judeus-cristãos ligados à Lei e à circuncisão (29, 5, 4).[4] Portanto, muitas comunidades que se desenvolveram dentro da Palestina possuíam um cristianismo judaico, observador da Lei. Eles não aceitavam a posição antinomista de Paulo. Estes cristãos conservavam uma versão do Evangelho de Mateus (ou similar) justamente por ser o evangelho mais judaico. Jesus diz neste evangelho: “Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas” (Mt 5,17).

4. Considerações gerais

     O cristianismo primitivo não era um movimento religioso unificado. Havia dois posicionamentos claros a respeito da Lei. As igrejas paulinas eram antinomistas e as igrejas judaico-cristãs eram nomistas. Isto se explica em parte por razões culturais. Além disso, os cristãos tinham duas coisas a fazer, ou aceitavam a Lei e Cristo, ou consideravam Cristo totalmente uma novidade a ponto de rechaçar a Lei. As duas posições eram possíveis e existiram.
     Em parte, Paulo acabou prevalecendo. Eusébio de Cesareia nos informa que no século II alguns rejeitavam a Carta de Tiago. Esta rejeição deve ter resultado da rivalização com as Cartas de Paulo. Como elas ocuparam uma parte significativa do Novo Testamento, acabaram sendo parâmetro para aceitação dos outros livros.
Afinal, fé ou obras? Poderíamos dizer que Paulo e Tiago discutem sobre duas dimensões de um mesmo fenômeno: a fé. Porém, estão focando pontos diferentes.  Se alguém ler cada texto como unidade em si mesmo, não há contradições. A contradição aparece quando se quer fazer do Novo Testamento uma unidade teológica, tentando harmonizar diferentes pontos de vista. O cristianismo primitivo era plural e até contraditório em si mesmo.

Referências

CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. Tradução de Wolfgang Fischer. São Paulo: Fonte Editorial, 2019, p. 101.

SALAMIS, Epiphanius of. The Panarion of Epiphanius of Salamis: Book I. Translated by Frank Williams. Leiden; Boston: Brill, 2009, 30, 205.




[1] Os termos “nomistas” (a favor da Lei) e “antinomistas” (contra a Lei) foram concebidos especificamente para este artigo, não consultamos o uso deles em outros textos.
[2] CESAREIA, Eusébio de. História Eclesiástica. Tradução de Wolfgang Fischer. São Paulo: Fonte Editorial, 2019, p. 101.
[3] SALAMIS, Epiphanius of. The Panarion of Epiphanius of Salamis: Book I. Translated by Frank Williams. Leiden; Boston: Brill, 2009, 30, 205.
[4] SALAMIS, Epiphanius of. The Panarion of Epiphanius of Salamis: Book I. Translated by Frank Williams. Leiden; Boston: Brill, 2009, 29, 5, 4.

terça-feira, 26 de novembro de 2019

O Evangelho de Tomé - A Outra Face de Jesus


LANÇAMENTO DO LIVRO “O EVANGELHO DE TOMÉ:
A OUTRA FACE DE JESUS”


Neste fim de ano, estarei lançando pela Fonte Editorial minha pesquisa sobre o Evangelho de Tomé. Trata-se de um importante documento para se conhecer o cristianismo primitivo. Neste livro, procurei analisar a identidade de Jesus a partir da perspectiva do autor e da comunidade de Tomé. O objetivo é contribuir com a difusão de literatura sobre o cristianismo primitivo no Brasil. Mais informações: joaristides@gmail.com.



LAUNCHING OF THE BOOK “THE GOSPEL OF THOMAS: ANOTHER FACE OF JESUS”

In the end of this year, I will launch by Fonte Editorial my search about the Gospel of Thomas. It is an important document for you know the Early Christianity. I analyzed the identity of Jesus according to thomasine community. My goal is to contribute with dissemination of literature about this subject in Brazil.

domingo, 24 de novembro de 2019

Culto no cristianismo antigo


O SURGIMENTO DE UM RITO PARA A CEIA EUCARÍSTICA

THE EMERGENCE OF A RITE FOR THE EUCHARISTIC SUPPER

José Aristides da Silva Gamito
1. Introdução

As reuniões dos primeiros cristãos tiveram início de modo simples, imitando o cotidiano, sem uma ordem estabelecida. Eles se reuniam periodicamente para rememorar a última ceia do Senhor. Na comunidade de Corinto, surgiu um problema. As assembleias estavam ficando tumultuadas. Paulo intervém com uma carta. O apóstolo não informa detalhes sobre o rito mínimo que esta comunidade seguia. Ele apenas diz que é necessário tem uma ordem.
Geralmente, a reunião começava com comidas e bebidas. Era um momento para colocar os dons a serviço da comunidade. As cartas eram lidas durante esta reunião. A evolução da ceia eucarística foi acontecendo aos poucos. A realização de uma refeição de confraternização era o centro porque era o memorial do Senhor. Aliás, um banquete (symposium) tinha lugar em várias associações da antiguidade. O banquete não era somente para comer, mas também para discutir filosofia, realizar ritos religiosos.

2. O desenvolvimento do rito da Ceia do Senhor

A recitação das palavras de Jesus na última ceia parece que foi sendo incorporada no rito da eucaristia desde o começo. Paulo faz referência à bênção que era proferida sobre o cálice (1 Cor 1,16). A fórmula da ceia do Senhor é descrita em 1 Coríntios 11, 23-27. Mais tarde, depois do ano 90, na Didaquê aparecem duas bênçãos que deveriam ser proferidas sobre o cálice e sobre pão (Did. 9, 1-5). Após a ceia havia uma ação de graças que deveriam ser rendidas (Did. 10, 1-6).
Já no século II, surgem algumas prescrições rituais. Porém, os ritos variavam de lugar para lugar. Justino Mártir informa seguinte ordem: a) Leitura dos evangelhos ou profetas; b) pronunciamento do presidente; c) oração comum; d) apresentação da comida e da bebida; e) oração eucarística; f) distribuição dos alimentos; g) refeição e h) coleta (I Ap. 67, 3-6). Clemente de Alexandria apresenta a seguinte ordem: a) Leitura das Escrituras; b) interpretação; c) refeição eucarística; d) oração e e) canto de hinos.[1]
No final do século II, Tertuliano no Apologeticum fornece uma rápida visão da ordem dos atos na ceia: a) oração de pedido e de intercessão; b) leitura das Escrituras; c) sermão; d) coleta; e) oração eucarística; f) refeição; g) cantos e h) canto final.  Este autor menciona também que o costume era se reunir aos domingos. Tertuliano aponta que nos grupos de cristãos heréticos, além desses atos, havia ênfase em revelações e em curas.[2]
Nos atos apócrifos, a ordem das partes que compunham as assembleias era diversa, mesmo com a manutenção de alguns elementos. Nos Atos de João: a) sermão; b) oração; c) prece eucarística; d) refeição eucarística. Nos Atos de Pedro, a ordem variava: a) oração eucarística; b) advertências; c) oração de intercessão; e de outro modo: a) leitura das Escrituras; b) sermão; c) oração; d) curas; e) refeição eucarística. Nos Atos de Paulo, a ordem preferida era: a) oração; b) fração do pão; c) sermão e d) discurso profético; e) refeição eucarística e f) cantos.[3]
No século III, a liturgia ganha um caráter sacramental. Segundo a Tradição Apostólica, as orações de ação de graças antecediam a refeição eucarística. A ordem do rito que vai se definindo é a seguinte: a) saudação do bispo; b) oração eucarística; c) oração comum; d) recitação de salmos; e) bênção sobre o cálice e o pão; f) comida e bebida; g) instrução do bispo; h) após a refeição, distribuição do apophoreta. Na Didascália, a ordem é a seguinte: a) oração; b) leitura das Escrituras; c) sermão; d) oração eucarística e f) eucaristia.[4]

3. Considerações finais

Podemos dizer que, do ponto de vista da história do cristianismo primitivo, a missa católica e o culto neopentecostal representam duas versões extremas das assembleias dos primeiros cristãos. A missa racionalizou os atos através de um rito fechado, organizado, excessivamente medido. O culto neopentecostal optou pelo uso livres dos elementos rituais, chegando à quase ausência de ritos. As liturgias antigas estavam a meio caminho dessas extremidades.

Referências
ALIKIN, Valeriy Alexandrovich. The earliest history of the christian gathering origin, development and content of the christian gathering in the first to third centuries. Doctor’s thesis. University of Leiden, 2009.

DIDAQUÊ. Didaquê. In: Padres Apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995.


[1] ALIKIN, Valeriy Alexandrovich. The earliest history of the christian gathering origin, development and content of the christian gathering in the first to third centuries. Doctor’s thesis. University of Leiden, 2009, p. 60.
[2] ALIKIN, 2009, p. 60-61.
[3] ALIKIN, 2009, p. 62.
[4] ALIKIN, 2009, p. 63.

Ministérios no cristianismo primitivo


 Imagem relacionada
A EFERVESCÊNCIA DE MINISTÉRIOS NA IGREJA DO SÉCULO II


Na obra “Tradição Apostólica” de Hipólito de Roma aparece uma lista de ministérios que eram praticados na Igreja do século II. Este documento é importante para observamos a evolução dos ministérios desde a 1ª Epístola a Timóteo (década de 60) até a época de Hipólito.
Dentre os ministérios ordenados estão o episcopado, o presbiterato e o diaconato. Os candidatos a estes ministérios recebiam a imposição das mãos e uma oração de pedido de transmissão do Espírito Santo.
Os ministérios não-ordenados são: os confessores, as viúvas, as virgens, os leitores, os subdiáconos e os que tinham o dom da cura. Os confessores eram aqueles que eram acusados, perseguidos presos ou torturados por causa da fé cristã. Quando eram candidatos ao diaconato ou ao presbiterato não recebiam a imposição das mãos por causa da honra da confissão de fé. Os confessores não exatamente um ministério, uma condição resultante das perseguições religiosas.
Estes ministérios não tinham um rito especial. A viúva era recebida pela simples inscrição de seu nome. Á virgem bastaria sua decisão. O leitor era instituído pelo gesto de receber o livro do bispo. Os subdiáconos eram somente nomeados para seguir os diáconos. O dom da cura era comprovado pela prática.

Referência
ROMA, Hipólito de. Tradição Apostólica. Disponível em < https://www.ecclesia.com.br/biblioteca/pais_da_igreja/tradicao_apostolica_hipolito_roma.html>. Acesso em 22 nov. 2019.