O
EVANGELHO DA ESPOSA DE JESUS E O LUGAR DA MULHER NO CRISTIANISMO PRIMITIVO
José
Aristides da Silva Gamito
1.
Introdução
Este breve artigo pretende apresentar o
GJW Papyrus (Papiro do Evangelho da Esposa de Jesus). Trata-se de um fragmento
de papiro de um evangelho em língua copta. É um texto cheio de lacunas, o mais
impactante é a afirmação de Jesus sobre sua esposa. Porém, o que discutiremos a
partir deste evangelho é o papel da mulher no cristianismo primitivo que é
abordado por três evangelhos apócrifos. Historicamente, assegurar a existência
de uma esposa de Jesus é muito difícil. Os textos neotestamentários não
mencionam esse fato. E se fosse de fato, por que não mencionar? Mas esses
textos apócrifos são documentos importantes para se compreender as relações
sociais das primeiras comunidades cristãs.
2. O texto do GJW Papyrus
Dentre
a pluralidade de textos cristãos que procuraram transmitir as palavras de Jesus
há um fragmento curioso denominado “Evangelho da Esposa de Jesus”. Este texto
denominado GJW Papyrus foi anunciado no Congresso Copta Internacional em Roma,
em 2012. Naquela época foi postada uma edição crítica no site da Havard
Divinity School. A tradução nossa para o português se baseia na tradução
inglesa de Karen L. King. O texto é o seguinte:
1.
Não
(para) mim. Minha mãe me deu a vi[da...[1]
2.
.”
Os discípulos disseram a Jesus
3.
Nega. Maria (não?[2])
digna de
4.
...”
Jesus lhes disse: “Minha esposa...
5.
Ela
pode ser meu discípulo...
6.
Deixa
as pessoas perversas incham...
7.
Para
mim, eu estou com ela para. [
8.
].
uma imagem...[
1.
]
Minha mã[e
2.
]
Tr[ês
3.
]...[
4.
]
Adiante
5.
] intraduzível [
(KING, 2014, p. 3-4)
(KING, 2014, p. 3-4)
Testes
revelaram que o papiro é antigo. Uma das datas sugeridas foi 741 d. C. A língua
do texto é o copta saídico. O gênero é o diálogo entre Jesus e seus discípulos.
3.
Maria
e o discipulado feminino
O
texto pode tratar de uma discussão sobre o lugar da mulher na Igreja Primitiva
como ocorre no logion 114 do
Evangelho de Tomé. Neste evangelho, Pedro repreende Maria por estar no meio dos
discípulos. Mas Jesus diz que vai torná-la macho para que possa entrar no Reino
do Céu. A discussão que parece ser a mesma do GJW Papyrus é sobre a dignidade
da mulher e seu lugar na comunidade cristã.
A
afirmação da primeira linha é sobre a maternidade. A palavra tamaau (“minha mãe”)
aparece duas vezes. Em seguida, assim como no logion 114 alguém questiona sobre se Maria é digna de algo. A
afirmação da linha 5 vem esclarecer o assunto “ser discípulo”. A declaração de
que Maria pode ser discípula é uma afirmação de Jesus.
Porém,
a expressão mais provocadora é “Jesus lhes disse: ‘Minha esposa’” (linha 4). Tahime quer dizer “minha
esposa”. Chime significa
“mulher, fêmea, esposa”. A conversa parece acontecer sobre ou dentro de um
contexto familiar porque se fala de “minha mãe” e “minha esposa”. Além deste
evangelho, o Evangelho de Filipe identifica Maria Madalena como a koinwnoc “companheira” de
Jesus. O conflito de aceitação de Maria repete também no Evangelho de Maria.
Levi aconselha Pedro a aceitar Maria como discípula porque o Salvador a tornou
digna e a amou mais do que os outros discípulos.
Portanto,
a discussão sobre a dignidade da mulher no discipulado é um conflito que ocorre
em três evangelhos: do GJW Papyrus, de Maria e de Tomé. O pivô da disputa é
Pedro (Evangelho de Tomé, Evangelho de Maria). No Evangelho de Tomé, o
argumento de Pedro é a dignidade da mulher em pertencer ao discipulado e herdar o
Reino dos Céus. A palavra dignidade aparece também no GJW Papyrus. Mesmo com a
rejeição dos discípulos, Jesus reconhece a dignidade da mulher.
Referências
GRONDIN,
Michael. Grondin Interlinear
Coptic/English Translation of Gospel of Thomas. November 2002.
MATTISON,
Mark. The Gospel of Mary Coptic-English Interlinear.
2013.
KING,
Karen L. “Jesus said to them, My wife…”: A New Coptic Papyrus Fragment. Havard Theological Review, v. 107, v.02,
2014, p.131-159.