quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Jesus lhes disse - Minha esposa

O EVANGELHO DA ESPOSA DE JESUS E O LUGAR DA MULHER NO CRISTIANISMO PRIMITIVO

José Aristides da Silva Gamito

1.      Introdução

Este breve artigo pretende apresentar o GJW Papyrus (Papiro do Evangelho da Esposa de Jesus). Trata-se de um fragmento de papiro de um evangelho em língua copta. É um texto cheio de lacunas, o mais impactante é a afirmação de Jesus sobre sua esposa. Porém, o que discutiremos a partir deste evangelho é o papel da mulher no cristianismo primitivo que é abordado por três evangelhos apócrifos. Historicamente, assegurar a existência de uma esposa de Jesus é muito difícil. Os textos neotestamentários não mencionam esse fato. E se fosse de fato, por que não mencionar? Mas esses textos apócrifos são documentos importantes para se compreender as relações sociais das primeiras comunidades cristãs.

2.    O texto do GJW Papyrus

Dentre a pluralidade de textos cristãos que procuraram transmitir as palavras de Jesus há um fragmento curioso denominado “Evangelho da Esposa de Jesus”. Este texto denominado GJW Papyrus foi anunciado no Congresso Copta Internacional em Roma, em 2012. Naquela época foi postada uma edição crítica no site da Havard Divinity School. A tradução nossa para o português se baseia na tradução inglesa de Karen L. King. O texto é o seguinte:

1.    Não (para) mim. Minha mãe me deu a vi[da...[1]
2.    .” Os discípulos disseram a Jesus
3.    Nega.  Maria (não?[2]) digna de
4.    ...” Jesus lhes disse: “Minha esposa...
5.    Ela pode ser meu discípulo...
6.    Deixa as pessoas perversas incham...
7.    Para mim, eu estou com ela para. [
8.    ]. uma imagem...[

1.    ] Minha mã[e
2.    ] Tr[ês
3.    ]...[
4.    ] Adiante
5.    ] intraduzível [

(KING, 2014, p. 3-4)

     Testes revelaram que o papiro é antigo. Uma das datas sugeridas foi 741 d. C. A língua do texto é o copta saídico. O gênero é o diálogo entre Jesus e seus discípulos.

3.    Maria e o discipulado feminino

     O texto pode tratar de uma discussão sobre o lugar da mulher na Igreja Primitiva como ocorre no logion 114 do Evangelho de Tomé. Neste evangelho, Pedro repreende Maria por estar no meio dos discípulos. Mas Jesus diz que vai torná-la macho para que possa entrar no Reino do Céu. A discussão que parece ser a mesma do GJW Papyrus é sobre a dignidade da mulher e seu lugar na comunidade cristã.
     A afirmação da primeira linha é sobre a maternidade. A palavra tamaau (“minha mãe”) aparece duas vezes. Em seguida, assim como no logion 114 alguém questiona sobre se Maria é digna de algo. A afirmação da linha 5 vem esclarecer o assunto “ser discípulo”. A declaração de que Maria pode ser discípula é uma afirmação de Jesus.
     Porém, a expressão mais provocadora é “Jesus lhes disse: ‘Minha esposa’” (linha 4). Tahime quer dizer “minha esposa”. Chime significa “mulher, fêmea, esposa”. A conversa parece acontecer sobre ou dentro de um contexto familiar porque se fala de “minha mãe” e “minha esposa”. Além deste evangelho, o Evangelho de Filipe identifica Maria Madalena como a koinwnoc “companheira” de Jesus. O conflito de aceitação de Maria repete também no Evangelho de Maria. Levi aconselha Pedro a aceitar Maria como discípula porque o Salvador a tornou digna e a amou mais do que os outros discípulos.
     Portanto, a discussão sobre a dignidade da mulher no discipulado é um conflito que ocorre em três evangelhos: do GJW Papyrus, de Maria e de Tomé. O pivô da disputa é Pedro (Evangelho de Tomé, Evangelho de Maria). No Evangelho de Tomé, o argumento de Pedro é a dignidade da mulher em pertencer ao discipulado e herdar o Reino dos Céus. A palavra dignidade aparece também no GJW Papyrus. Mesmo com a rejeição dos discípulos, Jesus reconhece a dignidade da mulher.

Referências

GRONDIN, Michael. Grondin Interlinear Coptic/English Translation of Gospel of Thomas. November 2002.

MATTISON, Mark. The Gospel of Mary Coptic-English Interlinear. 2013.

KING, Karen L. “Jesus said to them, My wife…”: A New Coptic Papyrus Fragment. Havard Theological Review, v. 107, v.02, 2014, p.131-159.




[1] O tradutor deduziu a palavra “vida” pwnh da sílaba inicial que aparece no manuscrito pw...
[2] A possível negação na frase deduz-se da vogal a que aparece no manuscrito que pode ser início da palavra “não”, em copta an.

Um dito de Jesus no sudário de Oxirrinco

A ligadura funerária de Oxirrinco e o Evangelho de Tomé                         


Um pedaço de um sudário de linho de Oxirrinco encontrado contém um dito de Jesus: “Não há nada que esteja enterrado que não seja erguido”. Ele foi comprado em Bahnasa, em 1953, pelo papirólogo francês Roger Rémondon e posteriormente Henri-Charles Puech (1902-1986) o adquiriu. Puech o identificou como sendo parte do Evangelho de Tomé. O texto do sudário concorda com a versão grega do logion 5. Puech o datou do século V ou VI.
Luijendijk argumenta que o texto é um indício de que os cristãos utilizavam o Evangelho de Tomé.  O escriba interpretou o ensinamento sobre o “oculto e manifesto” como “enterrado e erguido”. Visto que o uso acontece num contexto funerário a alusão pode ser à fé na ressurreição, portanto, todo aquele que foi sepultado será ressuscitado.[1]

Inscrição do sudário:
Jesus disse: “Não há nada que esteja enterrado que não seja trazido à tona”.
Legei ihesouj ouk estin teqammenon o ouk egerqesetai

Logion 5 do Evangelho de Tomé (Papyrus Oxyrhynchus 654, 27-31):
legei his qen thj ofewj sou kai apo sou apokalufhset tin krupton o ou fane kai qeqammenon oo
POxy 654, 27-31: (5) Jesus disse, “C[onhece o que está dian]te de tua face, e o [aquilo que está oculto] te será revel[ado. Para isso não há] nada oculto que não [seja] mani[festo] e (nada) enterrado que não seja trazido [à tona]" (Cf. NHC II, 33: 10-14).

1ª edição do fragmento:

PUECH, Henri-Charles. Un logion de Jésus sur bandelette funéraire. Bulletin de La Societé Ernest Renan, N.S.3, Paris, 1954, 6-9.

Texto disponível:





[1] LUIJENDIJK, Anne Marie. “Jesus says: ‘There Is Nothing Buried That Will Not Be Raised”.  A Late-Antique Shroud with Gospel of Thomas Logion 5 in Context.  ZAC, vol. 15, p. 389-410.