APROXIMAÇÕES
ESTOICAS E EPICÚREAS DO COHÉLET
Muitas
especulações foram feitas a respeito da temática comum do livro do Antigo
Testamento, o Cohélet ou Eclesiastes, e a filosofia helenista. É
difícil demonstrar uma influência de filósofos gregos direta sobre o autor
deste livro. Embora, a data mais recente para a sua composição, de 350 a 180
antes de Cristo[1],
coincida com um período de influência helenista sobre Israel. Mas outras datas
mais antigas são propostas. As éticas helenistas se inserem na tradição
filosófica grega e o Cohélet, na Hokhmah, a tradição sapiencial judaica. Neste
texto, vou considerar apenas uma coincidência de temas.
O
livro do Cohélet tem muitas idéias
afins ao estoicismo e a o epicurismo. Mas também com o ceticismo de Arcesilau e
com os filósofos cínicos.[2]
Vamos identificar alguns temas do Cohélet
e sua relação com as éticas helenistas:
1. Transitoriedade:
O Cohélet considera tudo na vida como
transitório (Ecl 1,2). As gerações se sucedem, mas a terra permanece a mesma
(1,3). Marco Aurélio compartilha este pensamento estóico dizendo que tudo ao
mesmo desde sempre, não importa e alguém vive cem ou duzentos anos (Med., II,
14).
2. Não há legado.
A morte de algum modo é boa porque faz cessar o sofrimento. O Cohélet reclama que a sorte dos mortos é
melhor do que dos vivos. O homem e o animal têm o mesmo destino (Ecl 3, 19). Epicuro
de Samos também aconselha para não temermos a morte justamente por ela ser a
extinção de todas as sensações. Cícero, um pensador eclético, considera
igualmente a morte como um bem.
3. Acúmulo de bens.
Não há vantagem em ser rico e conquistar muitas coisas, tudo é vaidade (Ec2). O
sábio e o insensato têm o mesmo destino.Além disso, a morte é o destino certo
para os bons e os maus (Ecl 9,2). O Cohélet
louva a obediência aos mandamentos e o estóico e epicurista, a razão.
4. O prazer é o fundamento da
felicidade. Segundo o Cohélet,
“a felicidade do homem é comer e beber” (Ecl 2,3). Esta constatação coincide
com os fundamentos do epicurismo. Epicuro defendia que o prazer era o princípio
da felicidade. O Cohélet repete esta
fórmula mais duas vezes: “não há felicidade a não ser no prazer e no bem-estar”
(Ecl 3,12); “não existe felicidade para o homem debaixo do sol, a não ser o
comer, o beber e o alegrar-se” (Ecl 8,15). A mesma alternativa aparece,
indiretamente, uma terceira vez, quando ele afirma que resta ao homem comer,
beber, alegrar-se, perfumar-se e desfrutar com sua amada (Ecl9, 7-9).
5. O controle das emoções. A agitação do desejo traz sofrimento. Mas
vale contar com o que se tem diante dos olhos (Ecl 6,9). O estoicismo possui o
conceito de representação. Não devemos nos prender na representação, na
expectativa que fazemos do mundo. A realidade não obedece nossos desejos.
6. A importância da sabedoria.
O conhecimento e a reflexão ajudam a reconhecer o mal (Ecl 7, 26). Seguir os
mandamentos é a solução da vida virtuosa (Ecl 8,5). Os epicuristas e os
estoicistas consideram que a razão e a reflexão auxiliam o homem a viver uma
vida moral correta. Para Cícero, a vida virtuosa é inclinar-se para os bens
verdadeiros.
Concluindo,
o Cohélet concorda com o epicurismo
ao colocar a felicidade nos prazeres naturais como a comida e a bebida. Assim
como a reflexão é importante para os filósofos helenistas, observar os
mandamentos também é importante para o Cohélet.
Com o estoicismo, o Cohélet
compartilha a idéia de que não se deve apegar aos prazeres e as vantagens do
mundo porque tudo é vaidade. Todas as nossas conquistas serão apagadas com a
morte. Muito desejo causa sofrimento. Portanto, o homem deve se contentar com
os prazeres naturais e observar os mandamentos para viver bem.
Textos:
Bíblia
de Jerusalém.
GAMMIE,
John. Stoicism and Anti-Stoicism in
Qoheleth.Tulsa, p. 174