INTRODUÇÃO
AO ESTUDO DO FENÔMENO RELIGIOSO[1]
José
Aristides da Silva Gamito[2]
1. Introdução
Este estudo tem
como alcance o fenômeno religioso em sua origem, sua diversificação e sua
implicação na vida social e política da democracia moderna. Abordaremos a
origem do comportamento religioso a partir das Ciências Cognitivas da Religião
a partir das hipóteses de Justin Barret, Will Gervais e Ara Norenzayan. Em
seguida, apresentaremos alguns elementos constitutivos da religião. Salientaremos
a diversidade religiosa na história e existente no mundo atual, oferecendo uma
sucinta classificação das religiões.
Um dos enfoques deste curso é
mostrar o quanto a religião está presente nas decisões sociais e políticas de
uma sociedade. Ela formata comportamentos e ideologias. Dentro de uma sociedade
democrática é necessário estabelecer critérios para uma convivência pacífica
entre pessoas de grupos religiosos diferentes.
Depois de tratarmos da necessidade
do diálogo inter-religioso, analisaremos a situação da tolerância religiosa e
da laicidade no Estado brasileiro. Por fim, analisaremos contribuições e
entraves gerados no Estado brasileiro pela hegemonia do cristianismo
(catolicismo e evangelismo).
2. Origem e formação do fenômeno
religioso
Atualmente, as chamadas Ciências
Cognitivas da Religião (CCR) procuram entender como as pessoas adquirem e
transmitem a crença religiosa. Trata-se de um conjunto de ciências que operam
juntas para investigar o fenômeno religioso.
Esta abordagem parte do pressuposto de que há predisposições na mente
humana a crer que são independentes das particularidades culturais. A tese
central é a de que teríamos mentes predispostas a aceitar e a propagar
conceitos religiosos.[3]
Há duas hipóteses para o surgimento do
comportamento religioso. De acordo com a hipótese do psicólogo estadunidense
Justin Barret, a reação dos primeiros homens a agentes predadores na floresta
fez com que o indivíduo passasse a criar hipótese para a presença de algo a
partir de qualquer som ou vestígio. Tal comportamento trouxe uma tendência
animista.[4]
Segundo a teoria de Stewart Guthrie, o traço universal da religião é o
antropomorfismo que é uma continuidade do animismo. E diz respeito à nossa
tendência em atribuir características humanas a coisas não-humanas. Tendemos a
ver rostos humanos nas nuvens, associamos desastres naturais à vontade divina
e, em sentido mais amplo, atribuímos um agente inteligente à natureza. Conforme
Barret, o homem possui uma tendência a inferir ações para as coisas.[5]
Já
a hipótese de Will Gervais e de Ara Norenzayan foca na adaptação da vida
biológica em grupo. O comportamento religioso para estes dois era um
facilitador da interação em grupo. As crenças reforçariam a necessidade de
cooperação.[6]
A segunda hipótese afirma que indivíduos
do mesmo grupo de crenças tendem a confiar mais em seus companheiros. Mas
algumas pesquisas indicaram que nem sempre ocorre isso. Outro aspecto notável é
que na versão da religiosidade como reforçador de pressão social há um
observador onipresente que induz ao seguimento de regras e de preceitos. Em
sociedades capitalistas não se observa a cooperação econômica entre crentes do
mesmo grupo.[7]
2.1.
A transmissão cultural da fé
Do
ponto de vista biológico, religião é “uma adaptação genética naturalmente
selecionada para a cooperação da vida em grupo”. Outra concepção de religião
pode ser dada nestes termos, é “um sub-produto natural do normal, processos
psicológicos cotidianos que evoluíram para outros propósitos”. Nesta segunda
conceituação, há a implicação de que nossas mentes não são naturalmente
predispostas para a religião, elas foram preenchidas culturalmente com essas
crenças.[8]
Deste
modo, Gervais e Norenzayan sustentam que a transmissão cultural de conceitos
religiosos depende de predisposições cognitivas que direcionam esses conteúdos.
Os conceitos dependem também da predisposição cultural para que as crenças sejam
selecionadas, adquiridas e comprometidas.[9]
Juntas
as predisposições cognitivas, de aprendizagem e as transmissões culturais levam
à propagação das crenças religiosas. Desde a origem, o homem se adaptou à
natureza formando crenças de como as coisas funcionam e como lidar com elas. O
nosso cotidiano está repleto de informações deste tipo, porém, somente algumas
possuem status de religião. Os
personagens dos contos de fada são tratados como ficção, mas anjos e orixás são
considerados reais e dignos de adoração. Há também deuses que são adorados num
tempo e esquecido noutros tempos como Zeus e Mitra.[10]
A
compreensão das origens da religião depende da consideração de que os outros
são fontes de informação. A tendência de aprendizagem cultural ajuda a
compreender a propagação de crenças e de práticas religiosas. Os indivíduos
eram submetidos a informações diversas sobre o mundo e aquelas informações mais
emotivas são mais fáceis de recordar. Na aquisição de novas crenças, o
indivíduo que se encontra em novo contexto compara o que há de comum entre as
crenças ou imita o modelo mais exitoso. Outra estratégia adotada pelo indivíduo
é evitar a decepção. Alguns modelos podem transmitir informações falsas a fim
de que ganhe vantagem entre os concorrentes.[11]
Para
Gervais e Norenzayan, isso reforça a ideia de que adesão a novas crenças
depende do contexto e, além disso, as ações são mais decisivas do que as
palavras. E mais, pode-se concluir que conteúdo e contexto interagem na
propagação de crenças religiosas. Os aprendizes culturais tendem a armazenar e a
transmitir representações que levam a ações subsequentes, conteúdos relevantes
e que são compatíveis com as expectativas que o indivíduo tem sobre o
comportamento da natureza.[12]
A
presença de conteúdo levemente contraintuitivo em conceitos ou narrativas pode
influenciar a memória na maneira como favorece os conteúdos na evolução. A
religião está marcada por crenças em conteúdos contraintuitivos. Os agentes
sobrenaturais possuem um conjunto de habilidades evocativas e características
contraintutivas. São conceitos que violam hipóteses fundamentais sobre a
natureza das coisas. A tendência na produção dessas crenças é atribuir intenção
à natureza (exemplo, a física e a medicina populares). A presença desses
conteúdos nas narrativas as torna mais memoráveis porque geram respostas
emotivas como medo ou interesse.[13]
3.
A
abrangência e a diversidade religiosa
3.1.
A diversidade religiosa no tempo
A
religião é tão antiga quanto a humanidade. Os cientistas Ioan Couliano e Marija
Gimbutas defendem que não há atividade religiosa antes dos 60.000 anos. Porém,
Mircea Eliade afirma que até mesmo o primeiro hominídeo tinha uma consciência
humana. O marco mais aceito para a origem
da religião é 6 mil anos na África. [14]
De
acordo com Eliade, a religiosidade pode ter começado por hominídeos do gênero Australopithecus que eram caçadores. A
referência entre caçador e animal morto pode ter levado a uma incipiente
percepção da religiosidade.[15]
As sepulturas com suas ossadas são os documentos mais antigo para procurar
sobre evidência de religião. O costume de salpicar os cadáveres com ocra, um
tipo de argila, é encontrado na África, Austrália, Europa e América. O trabalho
de enterrar os mortos nos remete à crença na vida após a morte. Muitos objetos
do cotidiano do morto eram colocados na sepultura.[16]
De
6 mil anos para cá floresceu uma diversidade de formas religiosas. É importante
informar que as religiões funcionam como organismos vivos. Elas nascem, se desenvolvem
e morrem. Assim como as religiões mistéricas gregas já não são mais cultuadas,
outras nasceram no lugar como o cristianismo e o islamismo que dominam o atual
cenário religioso. As religiões também renascem. A partir dos anos 60, surge um
movimento politeísta, eclético e com base na natureza. É o chamado paganismo
moderno ou neopaganismo. Em busca de referências religiosas fora das tradições
abraâmicas, antigas religiões como druidas, wicca foram revitalizadas.[17]
Do
mesmo modo, há religiões também que se fundem com as outras é o que chamamos de
sincretismo (no seu sentido positivo). Assim como existem encontros entre
tradições que geram novos movimentos religiosos. As religiões ayahuasqueiras
são brasileiras e resultaram da adoção do hábito indígena de tomar chás enteógenos
por parte de populações mestiças. Deste modo, surgiram o Santo Daime e a União
Vegetal. São exemplos de religiões tipicamente brasileiras.[18]
Depois
de considerar estas características da mutabilidade das religiões, vamos
agrupar as religiões mais conhecidas por critérios geográficos:
a)
Religiões abraâmicas: Judaísmo, islamismo e cristianismo. São as três
religiões monoteístas mais influentes no Ocidente. O judaísmo e o islamismo são
monoteístas no sentido mais estrito, não aceitam nem a Trindade. Elas
compartilham a crença num só Deus e tradições semelhantes que remetem a Abraão.
Este é considerado o pai da fé. As três religiões têm uma origem comum e
preceitos semelhantes, o cristianismo se difere mais por causa da doutrina da
filiação divina. O islamismo e judaísmo insistem na Lei divina enquanto o
cristianismo preconiza a graça.[19]
b) Religiões indianas: São Hinduísmo,
budismo, jainismo e siquismo. Elas têm em comum os conceitos de dharma e karma. O hinduísmo se desenvolveu dentro de um período de 6 mil
anos. Os hinduístas compreendem a religião como dharma (“modo de viver”). Trata-se de uma religião politeísta, mas
cada seguidor pode ser monoteísta. Todas as religiões hindus aceitam um único princípio
criador e mantenedor do universo. Elas consideram que o homem vive numa
condição insatisfatória e tem necessidade de libertação que é moksa (libertação última).[20]
c) Religiões da Ásia Oriental: São o Confucionismo,
taoísmo e xintoísmo. Elas compartilham o conceito de Tao. O Taoísmo é modo de
vida baseado nos ensinamentos de Laozi. A origem de todas as coisas estaria num
princípio denominado Tao. Este não é explicável só pode ser acessado pela
experiência da meditação. Os taoístas procuram a harmonia e a serenidade
através das práticas meditativas. Não há cerimônias elaboradas.[21]
c) Religiões africanas: Em geral, as
religiões do continente africano acreditam que existe um só Deus criador e
construtor de um universo dinâmico. Mas é uma entidade que permanece distante
do mundo. As orações, as oferendas e os sacrifícios são dirigidos a divindades
secundárias que funcionam como mensageiros entre a humanidade e o reino
celeste. Em Gana, o deus supremo é chamado de Nyame entre os ashanti. Neste grupo, os ancestrais da
família de linha matrilinear são venerados. Os dogon
de Mali chamam o deus supremo de Amma. Este havia criado o mundo misturando os
elementos primordiais com sua palavra. Na Nigéria, entre os yorubás cultua-se Olorum e as divindades
secundárias que são os orixás.[22]
As
religiões africanas são tradição oral. Não possuem doutrinas, são mais
pragmáticas. Os rituais buscam sustentar a harmonia entre os poderes divinos e
o cosmo, entre a comunidade e seus ancestrais. Altares e templos não são
permanentes.[23]
Desta matriz religiosa procedem as religiões afro-brasileiras como o Candomblé
e a Umbanda. Esses elementos religiosos que vieram com os escravos para o
Brasil se uniram a tradições católicas e indígenas gerando o que chamamos de
sincretismo religioso.
e)
Religiões ameríndias: Há uma diversidade de religiões e mitologias dos
índios da América. No caso específico do Brasil, na falta de um critério de
classificação mais exato, falaremos de religiões de culturas tupi-guaranis e de
culturas macro-jê. Uma das características das religiões tupi-guaranis é a
presença do paî’é (pajé). O pajé é um sacerdote-terapeuta que entra em transe
para acessar a sabedoria dos espíritos e cuidar da saúde da aldeia.[24]
Na
concepção dessas etnias, o mundo está povoado de espíritos. Os assurinis do
Tocantins crêem que os espíritos se comunicam com o pajé através dos sonhos. O
local onde vivem os antepassados é entendido de diversos modos. Os suruís e os
assurinis acreditam que fica acima das nuvens. Os guaranis acreditam na “Terra
sem males”. Os teneteharas chamam os espíritos de karoara e os subdividem em classes: a) Criadores e heróis; b) donos
das florestas; c) espíritos errantes dos mortos; d) espíritos dos animais. Os tupis
tinham em Maíra o herói mítico que iniciou a civilização. Segundo os kaapor,
ele criou o povo tupi.[25]
Da
diversidade religiosa dos povos macro-jê, destacaremos alguns casos. Os
botocudos/krenak acredita em três instâncias: Há o céu onde vivem o deus Marét-Khmakian,
sua esposa Marét-Jikky e seus espíritos chamados tokón. Há um mundo dos vivos e abaixo da terra vivem os nandyón no kiyém paradn. Acreditavam que homem teria várias almas e a perda de
alguma delas gerava enfermidades.[26]
Os maxacalis designam com o termo Yãmiyxop
os seres sobrenaturais e os rituais. Fazem parte deste grupo as almas dos
índios e dos animais. O que é notável nas religiões indígenas é a crença de que
os animais também possuem almas. Há uma figura soberana que rege as forças do
mal, o Hãmgãyãgnãg. A etnia realiza
os cerimoniais para obter benefícios e afastar o mal.[27]
O
caso mais complexo é a diversidade de subdivisões que ocorreu no cristianismo a
partir do século XVI. A presença do cristianismo no Ocidente é impactante por
causa das consequências sócio-políticas e culturais. Na verdade, o cristianismo
é plural desde as suas origens. Nos primeiros séculos havia muitos grupos
cristãos atualmente inexistentes como os gnósticos, encratistas, valentinianos
e outros. Quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano
criou-se uma relativa unidade até o Cisma do Oriente de 1054. Este fato
representou a primeira divisão do catolicismo entre católicos e ortodoxos.
Porém, foi a Reforma Protestante a partir de 1517 que abriu caminho para uma
infinidade de agrupamentos religiosos cristãos. Este movimento deu origem às
Igrejas Protestantes: Luterana, Anglicana, Presbiteriana, Batista e Metodista. O
seguimento religioso que mais cresce atualmente no Brasil é o
neopentecostalismo. Ele é o quarto movimento de geração de igrejas. Essas
mudanças no cenário religioso têm efeito sobre toda a sociedade.
O
pentecostalismo teve três frases na classificação frestoniana: Primeira onda
(1910 a 1950); segunda onda (1950 a 1960) e terceira onda que é chamada de
neopentecostalismo (a partir da década de 70). O pentecostalismo surgiu nos
Estados Unidos no século XIX. Neste período algumas igrejas procuravam o
avivamento e a renovação espiritual. A partir desenvolveram práticas centradas
na invocação dos dons do Espírito Santo. A fonte foi o movimento holiness dos metodistas. A versão
católica do movimento é a Renovação Carismática Católica.[28]
O
pentecostalismo chegou ao Brasil em 1910 com a fundação da Igreja Congregação
Cristão do Brasil por Louis Francescon. Mas foi a Assembleia de Deus fundada no
Pará pelos missionários suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg que mais cresceu e
se espalhou pelo país. A Renovação Carismática no Brasil teve seu início na
década de 70 em São Paulo. Ela segue movimento pentecostal católico originário
entre universitários estadunidense que começou na Universidade de Duquesne na
Pensylvania.[29]
As
relações entre protestantes e católicos na primeira metade do século XX no
Brasil foi um tanto conflituosa. As tradições religiosas davam ênfases
diferentes ao modo da leitura da Bíblia. O período vivido pela Igreja Católica
entre 1916 e 1955 foi chamado de Neocristandade. Nesta fase, a Igreja procurou
reafirmar-se diante da sociedade, aproximando-se do Estado e promovendo
serviços de educação, de preservação da moral católica. E como o período
coincide com a primeira onda pentecostal no Brasil, desenvolveu-se entre os
católicos uma atitude antiprotestante. Muitos conflitos em torno da leitura
bíblica e diferenças doutrinárias ocorrem.[30]
Porém,
as relações mudam significativamente no período posterior ao Concílio Vaticano
II. A partir da Conferência de Medellín (1968) e dos novos princípios adotados
pela Teologia da Libertação, a Igreja começou a superar a sua atitude
antiprotestante. Por outro lado, as Igrejas Evangélicas também o fizeram ao se
unirem através do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e do Conselho Nacional de
Igrejas Cristãs (CONIC). Esses eventos levaram as igrejas a considerarem as
tradições religiosas que estão além delas.[31]
3.2.
Elementos constitutivos das religiões
Definir
um único conceito de religião é tarefa árdua, vamos indicar alguns aspectos
relevantes e elementos comuns das religiões. As crenças, as práticas e os
símbolos são os principais elementos que se destacam nas religiões. Esses
fenômenos constituem um sistema simbólico que sustenta as religiões.[32]
As
crenças dizem respeito ao modo como um grupo concebe o Sagrado e se relaciona
com ele. Há geralmente uma separação entre o sagrado e o profano. O indivíduo
utiliza essas representações para explicar o sentido dos eventos fortes da vida
como o nascimento, a puberdade, o casamento e a morte. As crenças formulam
regras de comportamento diante do sagrado e do profano.[33]
Segundo Mircea Eliade, o espaço para o homem religioso não é homogêneo. Ele é
composto de rupturas. O espaço é dividido em sagrado e profano. Essa ruptura
permite ao homem uma experiência que concebe e funda o mundo que ele vê. Quando ocorre uma hierofania, abre-se um
centro no mundo que o organiza e contribui para o seu sentido. Já olhar profano
vê o mundo como homogêneo.[34]
As
práticas religiosas se referem ao procedimento como o homem religioso se
relaciona no seu cotidiano ou em dias sagrados com a divindade. Os rituais são
as ações de vivência da fé e da comunicação com o divino e os ritos são as
estruturas que sustentam esses comportamentos. São exemplos dessas práticas a
missa, o culto protestante, a sessão espírita. Alguns ritos relacionados com o
nascimento, casamento e morte referem-se a mudança de estado ou de papel social
do crente.[35]
Os
símbolos são objetos, gestos, expressões e palavras que identificam uma crença.
Os símbolos sintetizam e gravam o conteúdo da crença. Eles são mais palpáveis
do que os dogmas e tocam o sentimento de fé das pessoas.[36] Símbolos
são abstrações de experiências fixadas em formas perceptíveis, são
representações concretas de idéias, crenças ou juízos. Os esquemas culturais
são modelos das relações entre entidades ou do mental com o físico. São modos
como manejamos as formas simbólicas para poder adaptar-nos às formas
não-simbólicas. A teoria modela as relações físicas de modo a dar-lhes uma
forma sinótica para representar a realidade. Manejamos e alteramos as
construções físicas a partir das relações simbólicas.[37]
Portanto, a teoria é um modelo para a realidade e ela se compõe de
representações simbólicas.
Todos
esses elementos estão unidos a um modo específico de ver o mundo. Toda religião
possui uma visão de mundo. Esta cosmovisão interfere na política, na economia e
na ciência. É o modo como o indivíduo se situa no mundo a partir de sua crença.
A cosmovisão é orientada por um conjunto de valores. As pessoas organizam seus
grupos a partir do compartilhamento comum de crenças e de valores.[38]
Portanto, a religião é um sistema cultural
que concebe e organiza o mundo, funda uma cosmovisão, atribuindo valores às
ações e papéis sociais às pessoas. Como as instruções genéticas do DNA, os
esquemas culturais modelam os processos sociais e psíquicos da conduta pública.
Modelos culturais são para e de.
PARA – são comandos para agir e DE são processos de representação desses
comandos.[39]
Neste sentido, todos os campos da ação humana são afetados pela religião, sejam
eles a moral, a economia, a ciência, a política. A religião não está
desvinculada das demais atividades humanas.
4. Os monoteísmos, a cultura e a
política ocidental
Segundo
o site World Atlas, as religiões
monoteístas são as mais influentes no mundo. O cristianismo possui 2,22 bilhões
de adeptos; o islamismo tem 1 bilhão e 605 milhões. Elas ocupam o primeiro e
segundo lugar entre as religiões. Em oitavo lugar, está o judaísmo que tem 13,
9 milhões.[40]
Os três monoteísmos são chamados de religiões abraâmicas. O judaísmo é o
monoteísmo mais antigo, cuja primeira fase foi henoteísta ou monolátrica. Sua
doutrina parte da revelação que está contida na Tanak (que corresponde ao Antigo Testamento para os cristãos). O
islamismo compartilha algumas tradições judaico-cristãs, mas sua fé se baseia
na revelação do profeta Maomé. Seu livro sagrado é o Alcorão. São pontos comuns
entre os monoteísmos: O Oriente Médio como origem geográfica, a aceitação de
Jerusalém como cidade sagrada, uso de um local próprio para as orações, a
necessidade de orações e de jejuns.
A
exigência de se crer em um só Deus levaram essas três religiões a oscilarem na
história entre tolerância e intolerância. Por natureza, os politeísmos tendem a
ser tolerantes porque admitem a existência de vários deuses, logo podem haver
também vários cultos. Os monoteísmos são religiões do livro. Eles possuem
doutrinas definidas, hierarquias e as verdades doutrinárias são revelação
divina. O politeísmo grego, por exemplo, não tinham essas formas de
organização.[41]
Embora,
a palavra fundamentalismo seja moderna, essas ações sempre acompanharam os
monoteísmos. A estreita ligação entre estes e a política explica muito sua
natureza intolerante. O cristianismo consolidou muito esta natureza ao se
tornar uma religião imperial a partir do século IV.[42]
Seguiram-se como resultado da hegemonia religiosa aliada ao poder político os vários
eventos violentos como guerras por motivação religiosa, a Inquisição e outras
formas institucionalizadas de violência. Os conflitos entre israelenses e
palestinos também são resultado das relações híbridas entre religião e
política.
5. As religiões no Brasil:
Características e inter-relações
Segundo
o Censo de 2010, o Brasil continua majoritariamente católico, mas vem perdendo
fiéis. O neo-pentecostalismo tem crescido muito. Os católicos eram 91,8% na
década de 70, agora somam 64,6%. Os evangélicos saltaram neste período de 5,2%
para 22,2%. Os reflexos da mudança religiosa no país estão no comportamento,
nas normas morais e na política. Vamos explorar um pouco essas relações
religiosas no Brasil. A religiosidade brasileira possui três matrizes: a)
cristã/católica europeia; b) indígena e c) africana.
A
matriz hegemônica na formação institucional do país é o cristianismo. Até
poucas décadas a normatividade religiosa brasileira era tomada a partir do
catolicismo. Mas oficialmente desde o início do regime republicano que há um
esforço em laicizar o Estado. Em segundo lugar, se considerou no país o
protestantismo que vinha ganhando terreno desde as primeiras décadas do século
XX. Toda a formatação de liberdade religiosa teve como centro o catolicismo.[43]
Tais considerações impediram muito tempo em se conhecer com mais profundidade
as demais religiões do Brasil.
As
religiões indígenas foram as primeiras a sofrer uma interferência com a chegada
dos missionários jesuítas em 1549. O esforço dos jesuítas era converter os
indígenas à fé católica. Era uma tarefa difícil porque eles desconheciam a
cultura dos povos indígenas. A experiência começa no litoral com os tupinambás.
O encontro entre jesuítas e indígenas gerou um choque cultural. Os portugueses
consideram os costumes indígenas como maus. Era uma dificuldade para os
missionários verem os indígenas nus assistindo à missa. O amancebamento das
índias com os colonos, a antropofagia, as bebedeiras de cauim, poligamia, os
rituais dos pajés, tudo era motivo de incômodo para os missionários.[44]
Como
o missionário possuía um olhar europeu e cristão, procurou demonizar algumas
práticas religiosas indígenas. A luta maior foi contra a atividade dos pajés.
Os jesuítas consideraram essas práticas religiosas como inferiores e frutos da
ignorância. Usavam a estratégia de converter os chefes e assim desarmar o
grupo. Ao fracassar essas investidas passaram a usar a educação para moldar as
crianças indígenas.[45]
As religiões indígenas passarão ser conhecidas e valorizadas somente no século
XX a partir de trabalho de antropólogos e de movimentos indigenistas que
optaram reconhecer seus valores culturais.
Com
a escravidão negra, vieram as religiões de matriz africana. O primeiro contato
entre escravos e senhor foi também de choque cultural. Ao ter de assumir a
religião do senhor, os escravos desenvolveram uma sincretização entre elementos
católicos e africanos. Até os anos 30, essas religiões se restringiam aos
descendentes de africanos. Formaram-se vários segmentos religiosos como candomblé
na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas, tambor de mina no Maranhão e Pará,
batuque no Rio Grande do Sul, macumba no Rio de Janeiro. Esses elementos se
uniram ao catolicismo e também às tradições indígenas. Poderíamos classificar
um ramo dessas tradições religiosas como afro-ameríndio: São jurema, toré, pajelança, babaçuê, encantaria
e cura.[46]
A
Umbanda surgiu como uma religião universal aberta a adeptos além das etnias
africanas. A partir dos anos 60 as religiões africanas se propagaram pelo
Brasil e ganharam aceitação. Apesar de o clima de intolerância ainda reinante.
Porém, no período colonial como o negro tinha perdido sua pátria, sua família,
muitas tradições não se adaptaram à realidade brasileira. Além da senzala o que
dominava era o catolicismo por isso aconteceu o sincretismo como meio de
sobrevivência. Para se compreender a religiosidade popular há que se conhecer
essas condições de construção da identidade. As religiões africanas foram
devedoras do catolicismo, só vieram a se libertar mais tarde.[47]
Além
dessas três principais matrizes religiosas, há no Brasil também religiões
orientais que vieram com os imigrantes: Hinduísmo, budismo, xintoísmo e
taoísmo. Elas possuem cada uma menos de 10 mil adeptos. O desafio da
pluralidade religiosa dentro da democracia é convivência pacífica e respeitosa.
Os movimentos inter-religiosos e ecumênicos existem para superar a intolerância
e fomentar a cooperação entre as religiões.
No
caso do Brasil, há dois problemas de convivência entre religiões. O primeiro é
a intolerância religiosa. Ela acontece mais no nível interpessoal. A maior
discriminação é contra religiões afro-brasileiras. Em 2017, 39% das denúncias
foram contra essas religiões segundo o site do Estadão. O segundo é a
laicidade. Muitas agendas políticas promovidas por instituições religiosas
avançam sobre o Estado laico e a democracia fazendo o país correr o risco de
aumentar a discriminação religiosa ou a hegemonia de alguma visão religiosa
moral sobre o Estado que deveria ser para todos sem distinção de credo.
6. Considerações finais
Os
estudos sobre religião passaram por uma fase de descrença durante o período
dominado pelo positivismo. Entre os séculos XIX e XX, além dos cursos de
teologia, as universidades não consideravam a religião como um tema sobre o
qual se poderia fazer ciência. Um racionalismo extremo que se somou a uma
confiança elevada nas ciências naturais separou fé e razão. Mas atualmente é
possível estudar religião com auxílio das ciências naturais, da psicologia e de
outras ciências. Neste estudo, acolhemos contribuições da psicologia cognitiva
para estudar a origem da religião.
Além
disso, procuramos demonstrar a pluralidade das religiões e a necessidade de uma
abertura cultural para compreender essas diferenças. Dentro de uma sociedade
democrática, os cidadãos crentes precisam conviver de modo que todas as crenças
sejam respeitadas. O próprio entendimento da Igreja Católica e das Igrejas
Protestantes membros do CONIC é neste sentido de respeito mútuo e de
colaboração em temas de relevância social.
O
Estado laico implica a tolerância de todas as religiões e a inexistência de
hegemonia de nenhuma delas sobre os interesses institucionais públicos. É papel
das religiões conscientes, da escola e do Estado combater qualquer tipo de
discriminação e de intolerância. O caminho para isso é o estudo aprofundado,
crítico, científico e sem preconceitos das religiões.
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[1]
Texto-referência para o
curso de Cultura Religiosa na Escola de Formação Humana da Paróquia Santa
Margarida de Antioquia, Santa Margarida, MG, em junho e julho de 2018.
[2]
Bacharel, licenciado em
Filosofia, bacharel (livre) em teologia, especialista em Docência do Ensino
Básico, em Docência do Ensino Superior, em Língua Latina e Filologia Românica e
Mestre em Ciências das Religiões. E-mail: joaristides@gmail.com.
[3] BORTOLONI, Tiago; YAMAMOTO, Maria
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[4] BORTOLONI; YAMAMOTO, 2013, p.
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[5] WESTH, Peter. Anthropocentrism
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[6] BORTOLONI; YAMAMOTO, 2013, p.
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[41]
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PRANDI, 1998, p. 151-167.
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