RELIGIÃO,
COMUNICAÇÃO E VERDADE
EM TEMPOS DE REDES SOCIAIS
José
Aristides da Silva Gamito
INTRODUÇÃO
Na sociedade globalizada em tempo de
redes sociais, não se procura mais sentir o outro e compreender os fatos em
profundidade. As novas vivências são rápidas, acessíveis, padronizadas e
indolores. O amor se tornou algo simples numa sucessão de momentos rasos e
meramente agradáveis.[1]
A atual sociedade é chamada por
Byung Chul Han de “sociedade do cansaço”. Estamos diante de uma sociedade que
não tem paciência para ouvir. Não aceita mais introduções e aprofundamentos e
logo já rotulam os argumentos de “mi mi”. A comunidade da escuta está
diminuindo. Geralmente, em redes sociais as pessoas só discutem em grupos em que
há concordância de pensamento. A “mesmidade” diminui o espaço da alteridade. Em
outras palavras, a concentração demasiada em si mesmo diante de uma tela de
celular está suprimindo a alteridade.
Portanto, vamos relacionar o
problema da comunicação e da verdade nas redes sociais. Uma comunicação
caracterizada pelo excesso de informação e pela superficialidade de conteúdos. Na
qual a verdade é meramente censitária. Iremos confrontar as características da
sociedade digital com os fundamentos do cristianismo que criaram a sociedade
ocidental. Esses modelos convivem dentro de uma sociedade complexa.
A SOCIEDADE ANALISADA
POR BYUNG CHUL HAN
Byung
Chul Han é um filósofo coreano nascido em 1959. É um filósofo e teórico da
cultura e professor da Universidade de Artes de Berlim. Ele nasceu na Coreia, mas mudou-se para a
Alemanha para estudar Literatura Alemã, Filosofia e Teologia. Sua obra aborda
os problemas da sociedade contemporânea como capitalismo, trabalho e tecnologia.
Dentre
suas obras se destacam Müdigkeitsgesellschaft (A Sociedade do Cansaço), Agonie
des Eros (A Agonia do Eros) e Topologie der Gewalt (Topologia da Violência).[2]
Han
analisa nossa sociedade como era do cansaço. Dentre diversos temas do filósofo,
apresentaremos brevemente sua análise. Na sociedade do rendimento vive-se a
necessidade constante de poder. As pessoas estão rodeadas pelo medo de não
poder algo. A preocupação excessiva tira até a chance de pessoas nos outros.
Somos
bombardeados com notícias. As pessoas estão sempre alheias, perdidas em
assuntos muitas vezes superficiais de uma tela de celular. Nas empresas, não há
mais aquela relação de proximidade. Todos se tornaram patrões de si mesmos.
Passamos anos fazendo as mesmas coisas.
Juntamente com esse
ritmo de vidas surgem as mais variadas formas de narcisismos e transtornos de
personalidade. O sentido de colaboração morreu. Há uma constante vigilância de
alguém. Todo mundo sabe tudo sobre outro através de redes sociais. Neste
sentido, morre o mistério. Já não há mais espaço para encontros.
Se ha perdido el espacio de
frescura. La relajación de poder estar com el otro en calma, ya sea trabajando
em un ambiente grato, manteniendo uma comunicación verdadera, informándose
críticamente, recreándose com los otros o simplemente haciendo lo que a uno le
gusta.[3]
Byung Chul Han observa que as
relações de trabalhos, na escola se pautam em uma necessidade de cumprir as
metas sem considerar a profundidade das experiências envolvidas. Todos estão
submetidos a estresse, envenenados com substâncias químicas e entregues à
irreflexão. Somos uma sociedade de doentes mentais.
O começo do século XXI é tomado pela enfermidade neuronal. A
ideia central dentre dessas mudanças é o desaparecimento do outro. O outro é
apenas diferente, foi assimilado e neutralizado. A estranheza do outro se esvai
e o idêntico toma seu lugar.[4]
Portanto, toda a sobrecarga está no eu.
COMUNICACÃO, VERDADE E O OUTRO
Segundo
Byung Chul Han, a sociedade sofre de falta de negatividade. A busca é sempre
pela incorporação do mesmo, não há enfrentamento do outro enquanto outro. A
imagem do outro torna-se espetaculazarida, erótica. A função das imagens em
redes sociais é meramente entreter pessoas. Esta sociedade pretende
homogeneizar tudo. Como esse procedimento prescinde do outro, o resultado é
não-igualitário e antidemocrático.
O
corpo vive oprimido em função de padrões. As pessoas não postam fotos em redes
sociais para mostrar aos outros sua rotina, seus afazeres, seus valores. São
atitudes narcisistas. Elas pretendem satisfazer a si mesmas. O que é paradoxal
é que a proximidade no espaço digital empobrece as relações por causa da
distância. Não se dá tempo para o outro ser ele mesmo.
Hiperinformação e hipercomunicação são
evidências de falta de saber, falta de verdade e, inclusive, falta de ser
(ibid., p. 23). Sem conexões e direcionamento, em meio à inflação de claridade
e de informação e, ao mesmo tempo, num vácuo de coerência, o pensamento se
confunde e se cansa.[5]
Não
há comunicação sem escuta, sem profundidade, assim como não há verdade sem
negatividade. A verdade se tornou se censitária. O número de “curtidas” define
a relevância de um tema e se aquilo é verdadeiro ou não. São verdades que
admitem contraposições. A oposição desarranja o conforto estético do internauta
e no auge de seu senhorio do terreno digital, ele opta pela solução de “bloquear”
o oponente.
Esses
comportamentos são observáveis no trabalho, na escola, na política e na
religião. O mundo político está sendo transformado pelo esvaziamento
ideológico. Os modelos políticos são pensados para resolver necessidades
urgentes da sociedade.[6] As
pessoas se dividem em torno de políticos com um fã-clube de heróis. O diálogo
tornou-se raro, principalmente, nas redes sociais. Porque todos estão agrupados
em tendências sociais e políticas, sejam de direita ou esquerda. Mas não
discutem, apenas “esbravejam” tentando calar uma idéia contrária.
A
RELIGIÃO E O NARCISISMO
Há
um modelo de sociedade que tomou conta da era digital. Nesses espaços,
encontramos a negação do outro, a intolerância e os extremismos. Porém, tudo
isso coexiste com uma sociedade, no caso do Brasil, majoritariamente cristã. No
cristianismo, o outro tem uma importância fundamental. Porém, se faz uma
separação entre a fé professada e o comportamento social.
A
espiritualidade tem características para a recuperação da negatividade. Ela
estimula a vida contemplativa, a paciência e a abnegação. Os jovens precisam a
voltar a aprender a ouvir “não”. Alguns segmentos religiosos foram tragados
pela ânsia de solução de problemas e transformaram a religião em espetáculos,
em experiência estética e confortável. O concreto desafiador e que traz
adversidade é totalmente ignorado. No fundo, estão todos atrás de um milagre. A
religião estimula a busca do outro. Isso traz pausa à sociedade do cansaço. Não
estamos falando de uma obrigatoriedade de conversão, mas de elementos da
religião que podem barrar o excesso de positividade da sociedade.
Outro
desafio desta sociedade é o extremismo. A divergência é de se esperar numa
sociedade democrática, mas a atual sociedade não consegue fazer isso bem. A
radicalização está presente no comportamento político, religioso e social.
Muitos grupos são excessivamente dogmáticos e não admitem a dúvida, não querem
lidar com o desconforto dela. Eles querem exercer a sua influência a todo custo
e eliminar oposições. Mas todas essas considerações não são para desencorajar o
uso das mídias sociais. A análise tem o objetivo de construir um quadro do que
nossas relações se tornaram com o advento da era digital.
REFERÊNCIAS
CESTARI, Guilherme Henrique de Oliveira. Alteridade em Peirce e negatividade em Han.
Teccogs: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, TIDD | PUC-SP, São Paulo,
n. 13, p. 35-48, jan-jun. 2016.
OROZCO, José
Manuel. De la Sociedad del Cansancio a la
Sociedad del Aburrimiento: Un estudio del Pensamiento de Byung Chul Han.
Estudios 113, vol. xiii, verano 2015.
[1] CESTARI, Guilherme Henrique de
Oliveira. Alteridade em Peirce e
negatividade em Han. Teccogs: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas,
TIDD | PUC-SP, São Paulo, n. 13, p. 35-48, jan-jun. 2016.
[3] OROZCO, Manuel
José. De
la sociedad del cansancio a la sociedad del aburrimiento: Un estudio del pensamiento de Byung -Chul Han. Estudios 113, vol. xiii, verano
2015, p.
172;
[4] OROZCO, 2015, pp. 170-175.
[5]
CESTARI, 2016, p. 46.
[6]
CESTARI, 2016, p. 43.
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