sexta-feira, 29 de junho de 2018

Religião e Sociedade global


RELIGIÃO, COMUNICAÇÃO E VERDADE
 EM TEMPOS DE REDES SOCIAIS

José Aristides da Silva Gamito

INTRODUÇÃO

            Na sociedade globalizada em tempo de redes sociais, não se procura mais sentir o outro e compreender os fatos em profundidade. As novas vivências são rápidas, acessíveis, padronizadas e indolores. O amor se tornou algo simples numa sucessão de momentos rasos e meramente agradáveis.[1]
            A atual sociedade é chamada por Byung Chul Han de “sociedade do cansaço”. Estamos diante de uma sociedade que não tem paciência para ouvir. Não aceita mais introduções e aprofundamentos e logo já rotulam os argumentos de “mi mi”. A comunidade da escuta está diminuindo. Geralmente, em redes sociais as pessoas só discutem em grupos em que há concordância de pensamento. A “mesmidade” diminui o espaço da alteridade. Em outras palavras, a concentração demasiada em si mesmo diante de uma tela de celular está suprimindo a alteridade.
            Portanto, vamos relacionar o problema da comunicação e da verdade nas redes sociais. Uma comunicação caracterizada pelo excesso de informação e pela superficialidade de conteúdos. Na qual a verdade é meramente censitária. Iremos confrontar as características da sociedade digital com os fundamentos do cristianismo que criaram a sociedade ocidental. Esses modelos convivem dentro de uma sociedade complexa.

A SOCIEDADE ANALISADA POR BYUNG CHUL HAN

Byung Chul Han é um filósofo coreano nascido em 1959. É um filósofo e teórico da cultura e professor da Universidade de Artes de Berlim.  Ele nasceu na Coreia, mas mudou-se para a Alemanha para estudar Literatura Alemã, Filosofia e Teologia. Sua obra aborda os problemas da sociedade contemporânea como capitalismo, trabalho e tecnologia.
Dentre suas obras se destacam Müdigkeitsgesellschaft (A Sociedade do Cansaço), Agonie des Eros (A Agonia do Eros) e Topologie der Gewalt (Topologia da Violência).[2]
Han analisa nossa sociedade como era do cansaço. Dentre diversos temas do filósofo, apresentaremos brevemente sua análise. Na sociedade do rendimento vive-se a necessidade constante de poder. As pessoas estão rodeadas pelo medo de não poder algo. A preocupação excessiva tira até a chance de pessoas nos outros.
Somos bombardeados com notícias. As pessoas estão sempre alheias, perdidas em assuntos muitas vezes superficiais de uma tela de celular. Nas empresas, não há mais aquela relação de proximidade. Todos se tornaram patrões de si mesmos. Passamos anos fazendo as mesmas coisas.
Juntamente com esse ritmo de vidas surgem as mais variadas formas de narcisismos e transtornos de personalidade. O sentido de colaboração morreu. Há uma constante vigilância de alguém. Todo mundo sabe tudo sobre outro através de redes sociais. Neste sentido, morre o mistério. Já não há mais espaço para encontros.

Se ha perdido el espacio de frescura. La relajación de poder estar com el otro en calma, ya sea trabajando em un ambiente grato, manteniendo uma comunicación verdadera, informándose críticamente, recreándose com los otros o simplemente haciendo lo que a uno le gusta.[3]

            Byung Chul Han observa que as relações de trabalhos, na escola se pautam em uma necessidade de cumprir as metas sem considerar a profundidade das experiências envolvidas. Todos estão submetidos a estresse, envenenados com substâncias químicas e entregues à irreflexão. Somos uma sociedade de doentes mentais.
O começo do século XXI é tomado pela enfermidade neuronal. A ideia central dentre dessas mudanças é o desaparecimento do outro. O outro é apenas diferente, foi assimilado e neutralizado. A estranheza do outro se esvai e o idêntico toma seu lugar.[4] Portanto, toda a sobrecarga está no eu.

COMUNICACÃO, VERDADE E O OUTRO

Segundo Byung Chul Han, a sociedade sofre de falta de negatividade. A busca é sempre pela incorporação do mesmo, não há enfrentamento do outro enquanto outro. A imagem do outro torna-se espetaculazarida, erótica. A função das imagens em redes sociais é meramente entreter pessoas. Esta sociedade pretende homogeneizar tudo. Como esse procedimento prescinde do outro, o resultado é não-igualitário e antidemocrático.
O corpo vive oprimido em função de padrões. As pessoas não postam fotos em redes sociais para mostrar aos outros sua rotina, seus afazeres, seus valores. São atitudes narcisistas. Elas pretendem satisfazer a si mesmas. O que é paradoxal é que a proximidade no espaço digital empobrece as relações por causa da distância. Não se dá tempo para o outro ser ele mesmo.

 Hiperinformação e hipercomunicação são evidências de falta de saber, falta de verdade e, inclusive, falta de ser (ibid., p. 23). Sem conexões e direcionamento, em meio à inflação de claridade e de informação e, ao mesmo tempo, num vácuo de coerência, o pensamento se confunde e se cansa.[5]

Não há comunicação sem escuta, sem profundidade, assim como não há verdade sem negatividade. A verdade se tornou se censitária. O número de “curtidas” define a relevância de um tema e se aquilo é verdadeiro ou não. São verdades que admitem contraposições. A oposição desarranja o conforto estético do internauta e no auge de seu senhorio do terreno digital, ele opta pela solução de “bloquear” o oponente.
Esses comportamentos são observáveis no trabalho, na escola, na política e na religião. O mundo político está sendo transformado pelo esvaziamento ideológico. Os modelos políticos são pensados para resolver necessidades urgentes da sociedade.[6] As pessoas se dividem em torno de políticos com um fã-clube de heróis. O diálogo tornou-se raro, principalmente, nas redes sociais. Porque todos estão agrupados em tendências sociais e políticas, sejam de direita ou esquerda. Mas não discutem, apenas “esbravejam” tentando calar uma idéia contrária.

A RELIGIÃO E O NARCISISMO

Há um modelo de sociedade que tomou conta da era digital. Nesses espaços, encontramos a negação do outro, a intolerância e os extremismos. Porém, tudo isso coexiste com uma sociedade, no caso do Brasil, majoritariamente cristã. No cristianismo, o outro tem uma importância fundamental. Porém, se faz uma separação entre a fé professada e o comportamento social.
A espiritualidade tem características para a recuperação da negatividade. Ela estimula a vida contemplativa, a paciência e a abnegação. Os jovens precisam a voltar a aprender a ouvir “não”. Alguns segmentos religiosos foram tragados pela ânsia de solução de problemas e transformaram a religião em espetáculos, em experiência estética e confortável. O concreto desafiador e que traz adversidade é totalmente ignorado. No fundo, estão todos atrás de um milagre. A religião estimula a busca do outro. Isso traz pausa à sociedade do cansaço. Não estamos falando de uma obrigatoriedade de conversão, mas de elementos da religião que podem barrar o excesso de positividade da sociedade.
Outro desafio desta sociedade é o extremismo. A divergência é de se esperar numa sociedade democrática, mas a atual sociedade não consegue fazer isso bem. A radicalização está presente no comportamento político, religioso e social. Muitos grupos são excessivamente dogmáticos e não admitem a dúvida, não querem lidar com o desconforto dela. Eles querem exercer a sua influência a todo custo e eliminar oposições. Mas todas essas considerações não são para desencorajar o uso das mídias sociais. A análise tem o objetivo de construir um quadro do que nossas relações se tornaram com o advento da era digital.

REFERÊNCIAS

CESTARI, Guilherme Henrique de Oliveira. Alteridade em Peirce e negatividade em Han. Teccogs: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, TIDD | PUC-SP, São Paulo, n. 13, p. 35-48, jan-jun. 2016.

OROZCO, José Manuel. De la Sociedad del Cansancio a la Sociedad del Aburrimiento: Un estudio del Pensamiento de Byung Chul Han. Estudios 113, vol. xiii, verano 2015.

WIKPÉDIA. Byung-chul Han.  Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/Byung-Chul_Han



[1] CESTARI, Guilherme Henrique de Oliveira. Alteridade em Peirce e negatividade em Han. Teccogs: Revista Digital de Tecnologias Cognitivas, TIDD | PUC-SP, São Paulo, n. 13, p. 35-48, jan-jun. 2016.
[2] WIKPÉDIA. Byung-chul Han.  Disponível em: https://es.wikipedia.org/wiki/Byung-Chul_Han
[3] OROZCO, Manuel José. De la sociedad del cansancio a la sociedad del aburrimiento: Un estudio del pensamiento de Byung -Chul Han. Estudios 113, vol. xiii, verano 2015, p. 172;
[4] OROZCO, 2015, pp. 170-175.
[5] CESTARI, 2016, p. 46.
[6] CESTARI, 2016, p. 43.

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